Um extremo atrai o outro extremo
Os livros infantis de Roald Dahl vão ser alterados, retirando ou substituindo palavras consideradas ofensivas, os livros de 007 de Ian Flemming vão ter palavras eliminadas por serem consideradas racistas, os livros "Os Cinco" de Enid Blyton foram retirados de uma biblioteca por terem linguagem inadequada para o nosso tempo, os livros de Agatha Christie foram modificados para responderem às sensibilidades modernas. Estes são quatro exemplos de censura literária que saíram nas notícias no último mês e meio.
E são exemplos de como a cultura woke está a ganhar terreno, sobretudo, para já, nas Américas e no Reino Unido, com indícios de crescimento, por mimetismo, na Europa continental. E este é um movimento que toma as populações como ignorantes, sem pensamento próprio, que devem ser educadas para atingirem o bem, que sem essa "ajuda" nunca lá chegariam. É, no fundo, um movimento extremista e totalitário, que pretende censurar obras e que persegue quem não pensa exactamente do mesmo modo, mesmo que tenha os mesmos valores e princípios.
Nada justifica a alteração do conteúdo de textos por terceiros. Até porque não sabemos quem são estes novos censores do século XXI. Os censores nunca dão a cara, mesmo os dos tempos democráticos. Os livros são assinados pelos autores que os escrevem, dão o seu nome à capa e à lombada das suas obras. Sabemos quem são. Muitas vezes nada sabemos sobre o conteúdo da obra, mas adquirimo-la porque conhecemos o seu autor. Modificar o texto de um escritor é desrespeitar o criador do texto e é, não há outra forma de o dizer, violar a sua obra.
Aceitar a censura de obras literárias é um retrocesso civilizacional que os democratas e os moderados não podem aceitar. Os livros foram escritos numa determinada época, com determinados valores, com um determinado ambiente social. E os seus autores, ao escreverem, reflectem os ventos do seu tempo. E nós, através deles, ficamos a saber como funcionava a sociedade nesse tempo e espaço específicos. Um romance, um poema, um conto, uma carta é também uma peça histórica. Mesmo que não gostemos do que essa obra reflecte.
Talvez não haja pior testemunho escrito do que "Mein Kampf" (A minha luta), de Adolf Hitler. É uma ode aos piores valores políticos e humanos. Mas seria aceitável alterar essa obra para a suavizar? Não estaríamos nós a fazer um favor ao neofascismo? Este exemplo é extremo, é certo. Mas também é extremista modificar
obras de autores que já não estão entre nós e que nos deixaram a sua visão do mundo enquadrada no tempo em que viveram.
Esta cultura woke, que é muito forte nos Estados Unidos e que contagiou o resto das Américas e o Reino Unido, traz consigo a cultura do cancelamento, a cultura da perseguição e a cultura do pensamento único. É uma cultura totalitária e anti-democrática camuflada de valores que qualquer democrata aceita e defende. Com a agravante de que tem como reacção o crescimento da extrema-direita. A cultura woke tem vindo a criar sociedades modernas polarizadas, entre esquerda radical e direita radical, onde o centro político tende a diminuir e a ser marginalizado.
Há que travar este ciclo vicioso em que um extremo atrai o outro extremo. É a qualidade da democracia que está em causa.
Presidente do movimento Partido Democrata Europeu
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia