Um Estado digno não pode sufocar as escolas de Ensino Especial

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Com voluntarismo populista, que ignorou a realidade das escolas públicas, apagou-se, da terminologia docente, a adequada expressão Necessidades Educativas Especiais. Em sua substituição, apresentou-se uma categorização com três tipos de medidas: universais, seletivas ou adicionais. Com isto, anunciou-se uma escola pública inclusiva, onde todos, independentemente da gravidade dos seus problemas, teriam lugar. Não é verdade. Porque um lugar sem meios, nem recursos, para responder às necessidades não inclui - exclui.

De início, ouvi mães e pais de filhos com problemas severos dizerem que o Decreto-Lei da Inclusão seria o paraíso. Depressa perceberam, contudo, o inferno em que se tornaram as suas vidas na escola pública quando, apesar da cuidada e esforçada atenção das equipas escolares, se depararam com a crónica falta de recursos e a permanente ausência de resposta às necessidades mais complexas dos seus educandos.

Todos queremos a inclusão. Mas numa escola de massas, sem as equipas multidisciplinares adequadas e os recursos necessários, mesmo em turmas reduzidas de 20 alunos (disposição legal frequentemente incumprida), não é possível criar as condições pedagógicas e terapêuticas que garantam o desenvolvimento de determinadas crianças e jovens.

Entendamo-nos: a Declaração de Salamanca, saída da Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais, que Portugal assinou em 1994, aponta, e bem, a inclusão como objetivo final. Mas também prevê a existência de circunstâncias que não a permitam. Quando assim é, quando as escolas públicas não conseguem dar as devidas respostas, há o recurso às escolas privadas de Ensino Especial, atualmente frequentadas, no nosso país, por 470 crianças.

As escolas de Ensino Especial continuam a ser uma resposta extraordinariamente importante. No lento caminho em direção à educação inclusiva que se pretende, o seu papel é essencial. Como nos mostrou o recente artigo de Patrícia Carvalho (Público de 13/09/22), estas instituições estão cheias de histórias de sucesso de crianças e jovens que, depois de terem visto bloqueado o seu potencial nas escolas públicas, aceleraram o seu desenvolvimento quando ingressaram numa escola de Ensino Especial e tiveram acesso às terapêuticas e pedagogias especializadas que lhes permitiram conquistar autonomia.

Nestas escolas, que têm acordo de cooperação com o Estado, a frequência dos alunos é gratuita para as famílias. Mas todas estão em risco de fechar, porque o Ministério da Educação não atualiza a comparticipação de 511,00 euros por aluno desde 2008. Até esta data, esse valor era atualizado anualmente. Deixou de o ser, no contexto da crise económica que o país atravessou. Mas hoje, tanto mais que o primeiro semestre do ano terminou com um considerável superavit orçamental, não há qualquer argumento para assim continuarmos.

É necessário e urgente proteger e apoiar estes projetos de Ensino Especial, que fazem o que a escola pública ainda não consegue fazer, promovendo, do mesmo passo, a partilha de conhecimento e experiência das suas equipas altamente especializadas com as equipas multidisciplinares das escolas públicas, criando um ambiente cooperativo que sirva verdadeiramente as necessidades das famílias.

O caminho para a educação inclusiva não se faz por decreto. Há situações que continuam a não ter enquadramento, se é que algum dia o terão numa escola de massas. As escolas de Ensino Especial são essenciais. Um Estado digno não as pode sufocar.

Professor do Ensino Superior

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