Um erro de cabo de esquadra
Napoleão era obcecado pelo conceito do erro. “Nunca interrompas o inimigo quando ele está a cometer um erro” é uma das suas lições mais poderosas, sendo que outra, concorde-se ou não, é “em política nunca recues, nunca te retrates, nunca admitas um erro”. O homem a quem chamavam o “Pequeno Cabo” fica na História como um dos mais brilhantes estrategos militares, um homem de tenacidade e visão clara - até na política - e muito além do seu tempo.
A ministra Margarida Blasco não é nenhum Napoleão.
Ontem - na véspera de se completarem 15 dias da morte de Odair Moniz, atingido mortalmente a tiro por um agente da PSP, e dos distúrbios violentos que se seguiram - a ministra que tem a tutela das polícias decidiu pôr em cima da mesa a possibilidade de a PSP passar a poder fazer greve, referindo que vai discutir o assunto em janeiro com as associações sindicais, após a “realização de um estudo”. Fê-lo à margem do primeiro Congresso da ASPP-PSP, a principal associação sindical da polícia, e - tal como o DN noticia hoje - sem concertar esta posição com os restantes elementos do governo nem com os partidos que o suportam, o PSD e o CDS.
Pior. A posição de Blasco chocou de frente com Luís Montenegro, que em campanha para ser primeiro-ministro (cargo que ocupa hoje) rejeitou liminarmente essa possibilidade, uma bandeira da extrema-direita do Chega. E chocou com o programa de governo da AD, que não contém nada disto.
A ideia de debater o direito à greve com os agentes da PSP - (algo que só não é inédito na UE porque existe de forma muito controlada nos Países Baixos e na Bélgica) - não durou mais do que umas horas.
Pouco antes dos noticiários das 20.00, a ministra emitiu um comunicado “de esclarecimento” que nos remete para o segundo conselho de Napoleão. Na nota, Margarida Blasco diz apenas que “falou da abertura do diálogo que a tem caracterizado e onde tudo se discute”, mas sem referir que de manhã admitiu debater o direito à greve. Recusou.
Salientou que “a posição do governo é clara” e que “nesse diálogo pode ser discutida a representação laboral e os direitos sindicais, mas não o direito à greve”. Retratou-se.
E concluiu que “qualquer interpretação das declarações da ministra apenas é atribuível a quem as fizer”. Ou seja, teve o topete de insinuar que a culpa de mais este “mal-entendido” foi dos jornalistas que estavam presentes no Congresso da ASPP-PSP, que leram no que disse mais do que aquilo que queria dizer. Recuou, retratou-se, mas não assumiu o erro. O “Pequeno Cabo” ficaria orgulhoso.
A versão mais benévola deste episódio é que se trata de “mais uma trapalhada” de Margarida Blasco. Como quando aludiu à “fruta podre” dentro do “grande cesto das forças de segurança” ou quando disse que “o patrão dos bombeiros não é o Estado, mas sim as autarquias”.
A menos benévola é que a ministra que gere dezenas de milhares de forças de segurança não entende que as suas palavras e ações vinculam o governo, que ao dizer “não posso dizer sim ou não” ao direito à greve, porque ainda vamos fazer um estudo sobre isso, significa, em política, que o sim é uma possibilidade real. Significa que o ‘vamos só conversar’ não existe. Significa que a ministra vive num mundo em que as cascatas jorram laranjada e as nuvens são feitas de algodão-doce.
Ou Margarida Blasco arrepia caminho ou do seu mandato ficará apenas uma vaga memória dos seus erros “de cabo de esquadra”.
Diretor-Adjunto do Diário de Notícias