Um empresário português
A entrevista de segunda-feira do primeiro-ministro a Sandra Felgueiras, na TVI/CNN, revelou, à saciedade, um bem-sucedido modelo de empresário e de empresa portuguesa, a que até o atual primeiro-ministro não resistiu. Falar de resistência, em relação a empresários assim empreendedores, é, obviamente, uma ironia.
A empresa criada por vantagem circunstancial, para antigos clientes pessoais. A empresa criada num círculo familiar restrito. A empresa cujo objeto social é quase tudo, desde arrendar casas, realizar auditorias de gestão, prestar consultoria sobre governação e cumprimento de regras em matéria de proteção de dados e o que mais houvesse. A empresa, que era inicialmente um homem, até então advogado, empresa que trabalhava, como explicou, à comissão, com base em success fees, o que os advogados legalmente não podem fazer em Portugal. A empresa que, naturalmente, não entregava dividendos aos sócios, coisa desagradável, até porque significaria o pagamento de impostos para todos, e cujas receitas se diluíam necessariamente nas suas despesas. E, com boa probabilidade, se se for verificar que pagamentos foram realizados pela empresa - terá havido refeições, automóveis, compras diversas de casa, esse clássico? -, de acordo com este modelo empresarial, tão generalizado entre nós, talvez se viesse a verificar esse prolongamento da vida pessoal, essa diluição dos sócios e da sociedade, que bem caracteriza o nosso tecido empresarial, especialmente aquele que é incensado como pequena “empresa familiar”. Nem me cabe fazer qualquer juízo adicional sobre a legalidade disso. É matéria, na verdade, para a Administração Tributária.
Mas, depois da entrevista, o que fica é a ideia de um pequeno advogado de Espinho, deputado por um partido vários anos, que talvez nunca tenha pensado, até há pouco tempo, em ser primeiro-ministro, e que age circunstancialmente de acordo com o seu limitado pano de opções, através de um estímulo universal - maximizar o lucro, venha donde vier.
Um primeiro-ministro, depois de despejar informação irrelevante em catadupa, essa técnica antiga, que optou por terminar a entrevista com duas informações, finalmente, decisivas para os Portugueses, que o viam ali com a corda ao pescoço, emulação de Egas Moniz cruzada com Warren Buffett. A primeira: que teve ações do BCP e que as vendeu uma semana antes de ser primeiro-ministro, com uma mais-valia de 200 mil euros, apenas para evitar ser primeiro-ministro enquanto dono de um banco - preferindo ser primeiro-ministro enquanto dono de uma empresa avençada por gasolineiras e concessionários de casinos em Chaves, universo que conhece melhor.
A segunda: que se aloja em hotéis em Lisboa de 250 euros por noite, o que não tem em si problema nenhum... mas dizer que o faz sendo a alternativa ao seu pequeno quarto, “o único sobrante”, na residência oficial do primeiro-ministro em Lisboa, aquele quarto, como disse, no corredor para os gabinetes dos seus assessores, e que, vexame máximo, não tem cortinas? Não tem cortinas! De facto, pensa a Dona Ermelinda, quem não quer comprar casas aos filhos, ajudá-los na vida, pagar menos impostos ou, o que é mais, dormir num quarto com cortinados? Quando se pensa que já se viu tudo, há sempre a possibilidade de se ver um primeiro-ministro a falar da falta de cortinados na residência oficial num exercício de vitimização pública. A vida real está a ficar demasiado próxima do humor. E isso não tem graça.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa