Um desafio ao governo a propósito do Nobel de Economia
A lição central dos três economistas que ganharam em 2024 o Nobel da Economia é que os países que crescem são aqueles em que as instituições são inclusivas, protegendo os direitos políticos e económicos dos cidadãos. Aproveitamos esta oportunidade para lançar um desafio ao Governo de Portugal. Um desafio que não passa pelo orçamento nem exige maiorias absolutas. Um desafio que, no entanto, fará mais pelo crescimento económico de longo prazo do que qualquer PRR. Um desafio que, a ser cumprido, poderá representar o maior desenvolvimento da democracia portuguesa desde o 25 de novembro.
O desafio que propomos é o de melhorar a qualidade da gestão e do Governo da República, de tomar medidas que aumentem a prestação de contas dos governantes, que exijam mais meritocracia ao executivo – e que melhorem a prestação de serviços públicos no País. Podemos e devemos aspirar a melhorar muito significativamente a governança pública e, por essa via, como mostram Acemoglu, Johnson e Robinson, dar às novas gerações as oportunidades que um país estagnado há mais de duas décadas não tem dado.
A primeira coisa a fazer é medir o valor dos serviços que estamos a obter com os nossos impostos. Em vez de simplesmente alocar dinheiro a agências e ministérios para “cumprirem a sua função”, devemos estabelecer um contrato-programa com os resultados que pretendemos obter. Estes resultados não devem depender de quantas pessoas o Estado consegue tratar ou alojar, mas sim de medidas concretas com uma avaliação de impacto que demonstre como a saúde da população vai aumentar ou o número de pessoas sem casa será reduzido.
O que é importante não é o número de pessoas a receber subsídios, mas sim quantas pessoas passam a deixar de receber subsídios por não precisar deles. Isto é, devemos medir a performance por resultados alinhados com o bem-estar público e não com a as atividades promovidas pelo Estado. E devemos usar estes resultados para avaliar e premiar a performance dos responsáveis pelas diferentes áreas. Desta forma, o talento e o esforço dos governantes alinha-se com o bem-estar coletivo e a qualidade da sua performance pode ser facilmente medida pela sociedade através de alguns indicadores facilmente entendíveis.
Uma segunda área fundamental é a prestação de contas. Cada ministro deve apresentar um relatório e as contas anuais do seu ministério. Um relatório que explique o que faz, quanto custa e que justifique porque é que as suas funções são mais eficientemente cumpridas no sector público, em vez de ser contratadas a entidades privadas. Que inclua a atividade do ministério e de todas as entidades que tutela. Por exemplo, no caso da educação ou da saúde, quanto custa o tratamento de diferentes patologias ou a educação de alunos de cada ano, que percentagem do dinheiro público chega aos alunos ou aos doentes – e que percentagem é gasta na administração? Como compara o custo e o resultado da educação pública com as alternativas privadas, em Portugal e noutros países? Quais são os indicadores gerais da educação e da saúde da população que estão verdadeiramente a melhorar?
Uma terceira área fundamental é o levantamento e a valorização dos ativos públicos – o levantamento dos passivos, pós-troika, já é bastante bem feito, com a exceção do buraco da segurança social. O governo tem o dever fiduciário perante os cidadãos de cuidar da gestão destes ativos que nos pertencem a todos. Poderemos ter finalmente um levantamento de todos os imóveis públicos e uma justificação de que estão a ter o melhor uso que lhes pode ser dado? Cada edifício público a degradar-se abandonado representa uma falta de responsabilidade perante a sociedade.
A qualidade dos serviços públicos deve ser sistematicamente avaliada e os resultados tornados públicos: os tempos de espera, a satisfação dos utentes, as comparações de qualidade e de custo ao longo do tempo, também internacionalmente.
Outra área em que a qualidade do governo pode ser muito melhorada é o licenciamento e a regulação. Cada obrigação de licenciamento ou de regulação deve ser justificado para assegurar que cria mais benefícios do que custos. E todas devem ser periodicamente revistos para ver se ainda se justificam. Tomando como exemplo o caso da construção, devemos medir cuidadosamente o peso que a estrutura regulamentar e de licenciamento representam no custo de um edifício. Estamos convencidos de que esse simples exercício nos vai levar a descobrir muitas oportunidades de melhorias que, inevitavelmente, vão aumentar a oferta de habitação.
As demoras dos tribunais administrativos e fiscais são um enorme entrave ao funcionamento da economia portuguesa. O problema não é falta de meios, mas uma gestão mais racional e os incentivos certos – que incluem, naturalmente, avaliações de desempenho consequentes.
Têm de existir regras claras e com aplicação efetiva, que limitem os conflitos de interesse, como as portas giratórias, entre a política, o jornalismo e o poder judicial. Deve existir uma promessa firme e consequente de acabar com as nomeações políticas. Da mesma forma, devem ser aplicados critérios de mérito para as contratações e a progressão na carreira à gestão de recursos humanos em todas as entidades públicas.
O Mecanismo Nacional Anticorrupção não funciona. Só existe no papel. Os governos não devem prometer mais “pacotes anticorrupção”. Devem simplesmente pôr as instituições que existem a funcionar. Ou extingui-las e criar outras de raiz por forma a garantir que funcionem.
A Autoridade da Concorrência e o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão não estão a desempenhar o seu papel, já que vários estudos demonstram que os níveis de concorrência da economia portuguesa são comparativamente baixos. Sendo impossível reformar os reguladores supostamente independentes, mas na verdade capturados, devem ser extintos e devemos regressar ao modelo das Direções-Gerais: é mais barato e, dessa forma, a responsabilização política é clara.
Estas são apenas algumas entre as muitas propostas que poderiam ser concretizadas e que tornariam Portugal num país mais próspero e socialmente mais justo. O governo que aceitar o salto que propomos na qualidade de gestão, avaliação, reporte e responsabilização, vai merecer um lugar na História.