ULS: apenas uma de muitas ferramentas para salvar o SNS

A recém-criada Direção Executiva do SNS parece ter entrado com o pé direito. Mostrou que vem com liderança forte, inovadora e de mangas arregaçadas ao decidir a criação de quatro novas Unidades Locais de Saúde (ULS). Sinal disso é que a medida provocou já reações inflamadas por parte dos Velhos do Restelo.

Mas o que significa em concreto esta medida? É preciso entrar em detalhes importantes para poder discutir o que está em causa.

As ULS são organizações que integram o hospital e os centros de saúde na mesma instituição, ao invés da separação tradicional em que hospitais e centros de saúde são instituições diferentes, com regras de funcionamento, financiamento e lideranças diferentes. O alinhamento destas dimensões é precisamente a sua maior vantagem.

Em primeiro lugar, o modelo de financiamento. No modelo tradicional, os hospitais recebem pelo que produzem e os centros de saúde pela capitação simples. Este modelo estimula os hospitais a "produzirem" mais internamentos, consultas e urgências, pois garantem mais financiamento. Simultaneamente condiciona os centros de saúde a limitarem o acesso para garantir que o orçamento é suficiente, pois se o pagamento é feito por pessoa há poupança se esta não utilizar os serviços. Ora este modelo é duplamente incentivador do hospitalocentrismo.

Nas ULS o financiamento é feito por capitação ajustada pelo risco. Isto significa que a instituição recebe um valor para fornecer todos os cuidados que a população da sua área de influência necessita. Ou seja, recebe mais financiamento se tiver mais população e se essa população tiver mais necessidades (mais doenças), e, por conseguinte, necessitar de mais recursos. Em seguida é a própria ULS que decide como distribuir esse financiamento entre o hospital, cuidados de saúde primários e cuidados continuados. A opção racional é apostar fortemente na promoção da saúde e prevenção da doença, que é sempre poupadora de "dores" aos cidadãos e custos ao sistema.

"É fundamental que a informação clínica seja partilhada, que a atuação esteja concertada, articulada e padronizada. Conseguir este alinhamento entre instituições diferentes é sempre um desafio maior do que realizá-lo dentro da mesma instituição."

Em segundo lugar, o funcionamento. Para a prestação de cuidados de saúde ser integrada e sem interrupções é necessário que os seus intervenientes estejam alinhados. É fundamental que a informação clínica seja partilhada, que a atuação esteja concertada, articulada e padronizada. Conseguir este alinhamento entre instituições diferentes é sempre um desafio maior do que realizá-lo dentro da mesma instituição.

Finalmente, a liderança. A liderança alinhada de todos os prestadores é uma das principais ferramentas das ULS. Claro que é um pau de dois bicos. Se a liderança for forte e apontar ao caminho certo o resultado será ótimo, mas o contrário também é verdade. Entre outras situações, os diretores clínicos do hospital e cuidados de saúde primários ambos fazem parte do conselho de administração das ULS, com paridade de voto e, por conseguinte, de responsabilidade pelos resultados.

Até aqui abordei a questão focada no nível da ULS, mas se subirmos ao nível do sistema, uma das principais vantagens da aposta nas ULS é a simplificação da organização. A distância entre a Direção Executiva do SNS e as populações encurta-se significativamente. Atualmente no SNS existem 5 conselhos diretivos das ARS, 33 conselhos de administração de Hospitais/Centros hospitalares, 8 conselhos de administração de ULS, e 66 direções executivas dos ACES. Se o Prof. Fernando Araújo quiser reuni-los a todos num único espaço, necessitará de um auditório de dimensão média. Se for generalizado o modelo ULS, provavelmente conseguirá reunir todos numa sala de reuniões (ainda assim grande...).

E funcionam? É a pergunta que se segue, para ser respondida noutras tantas linhas.

Médico especialista em Medicina Geral e Familiar

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