Tumor cerebral: reconhecer os sinais a tempo
Os tumores cerebrais são muito diferentes uns dos outros e, neste que é o Dia Mundial do Tumor Cerebral, quero aproveitar para falar de tumores intracranianos, ou seja, os que se encontram no interior do crânio.
Sabe que estruturas normais todos nós temos dentro do crânio? Incluem o encéfalo (cérebro, cerebelo e tronco cerebral), artérias e veias, nervos cranianos e o líquido que envolve todas estas estruturas, o líquido céfalo-raquidiano (LCR). Temos ainda uma glândula produtora de hormonas, a hipófise. A envolver o encéfalo, temos 3 membranas concêntricas - as meninges, que são de fora para dentro a dura-máter, a aracnoideia e a pia-máter.
Todas estas estruturas, com exceção do LCR, podem dar origem a tumores.Assim os meningiomas vêm das meninges, os gliomas das células de suporte do encéfalo, os gangliomas dos neurónios, os neurinomas dos nervos cranianos, os tumores da hipófise são adenomas. Esta não é uma lista exaustiva, são só os mais frequentes.
Mas, o tumor intracraniano mais frequentemente encontrado no adulto é a metástase, ou seja, uma extensão à distância de tumor de outra parte do corpo - frequentemente da mama, do pulmão, pele, tiroideia ou rim, seguido do cólon.
Os tumores intracranianos podem dar sintomas de dois tipos. Os primeiros, por comprimirem ou destruírem parte do encéfalo e causarem defeitos neurológicos, dependendo da região que lesam, provocam falta de força, perda de sensibilidade, alterações da visão, por vezes alterações de memória ou do comportamento. Os segundos,por aumento da pressão intracraniana devida ao crescimento de uma lesão anómala dentro da cabeça: como o crânio não é extensível, com o crescimento do tumor, a partir de determinada altura a pressão dentro da cabeça aumenta, o que dá dores de cabeça, habitualmente mais intensas ao acordar de manhã, associadas a náuseas e vómitos. Atenção que há muitas outras dores de cabeça com estas características, como as enxaquecas, que não têm nada a ver com tumores. O aumento da pressão intracraniana também interfere nos nervos ópticos - que vão da retina para o cérebro e levam a informação da visão - com a visão a também poder ser afetada. Mais: ao se olhar para o fundo do olho com um aparelho chamado oftalmoscópio, pode detetar-se uma alteração característica que sugere muito a tal hipertensão intracraniana, que é o edema da papila óptica.
Resumindo, sinais e sintomas neurológicos progressivos (e não súbitos, como acontece nos Acidentes Vasculares Cerebrais), associados a dores de cabeça e náuseas, deve levar a um exame de imagem, como a tomografia computadorizada e a ressonância magnética (RM) crânio-encefálicas, para excluir um tumor. Se houver uma história de outro tumor maligno prévio, a suspeita deve ser maior.
A boa notícia é que, mesmo com estes sintomas, a maior parte das vezes a causa é outra. Então e quando é diagnosticado um tumor intracraniano, o que se faz? Como disse no início, os tumores intracranianos são um grupo muito heterogéneo de lesões, mais agressivas ou mais benignas, mais ou menos acessíveis do ponto de vista cirúrgico. Portanto, após o diagnóstico por imagem, há que fazer um plano de tratamento, que vai variar dependendo do tipo de lesão.
Como regra geral, exceto em lesões muito características de benignidade e pequenas, em que a atitude clínica é, frequentemente, de vigiar com exames de imagem regulares, há que obter o diagnóstico. Por outro lado, na maior parte das lesões, se conseguirmos removê-las cirurgicamente total ou parcialmente, o prognóstico é melhor.
A cirurgia é uma arma frequentemente usada onde a tecnologia tem feito maravilhas desde há 60 anos para as tornar mais seguras. Vejamos algumas evoluções tecnológicas que mudaram drasticamente os resultados das cirurgias:
A anestesia, atualmente, consegue preparar o doente para ter um cérebro completamente relaxado e bem perfundido, ou seja, com oxigénio e glicose suficientes para evitar um AVC), quando se faz a craniotomia, que é um fator essencial de sucesso cirúrgico.
O microscópio cirúrgico permite-nos operar por um corredor estreito em profundidade e com uma ótima iluminação, bem como ver muito melhor as estruturas vitais que são muito pequenas, como os nervos e as artérias.
A RM pré-operatória permite também, com técnicas avançadas, saber onde estão localizadas algumas funções no córtex cerebral (a fala, a escrita, a visão, as áreas que controlam os movimentos), bem como os feixes de substância branca (que na cirurgia não conseguimos distinguir - é tudo branco) de funções vitais (visão, controlo de movimentos, fala, memória). O conhecimento da relação destas estruturas vitais com o tumor permite-nos reduzir o risco de as lesar durante a intervenção.
Uma tecnologia que tem cerca de 25 anos, conhecida como neuronavegação, revolucionou a cirurgia intracraniana, incluindo a dos tumores - trata-se de uma espécie de GPS cerebral. Com a cabeça do doente fixada e imóvel e com uma reconstrução tridimensional da cabeça do doente feita por um computador a partir das imagens de RM, conseguimos em qualquer momento saber exatamente onde estamos no encéfalo ou em qualquer espaço intracraniano. Podemos ainda injetar outra informação no sistema, como os tais feixes de substância branca, que ficam visíveis nas imagens da cabeça do doente no ecrã do computador, para podermos evitá-los no planeamento da cirurgia.
Podemos ainda, durante a cirurgia, estimular o córtex cerebral ou a substância branca por baixo do córtex para saber se aquela área onde estamos a trabalhar tem alguma função. Nas funções motoras, vemos se a estimulação causa movimentos da face, mãos, pés; nas áreas responsáveis pela fala temos de fazer a cirurgia com o doente acordado para a testar à medida que avançamos com a remoção do tumor.
Finalmente, em tumores malignos, podemos dar ao doente uma substância que se fixa nas células do tumor e que, com um filtro especial existente no microscópio que deteta a fluorescência dessa substância, nos permite identificar durante a operação o que é tecido tumoral e o que é tecido normal.
Todas estas técnicas aumentam significativamente a segurança (menor risco de complicações) e a eficácia (maior grau de remoção das lesões). O que melhora o prognóstico. Se tudo correr bem, no dia seguinte os doentes estão de pé, a alimentar-se normalmente, e às 48 a 72h poderão estar em casa. E quase não têm dores, nada que não se trate com paracetamol!
O prognóstico destas lesões depende do tipo de tumor, que é dado pelo exame da peça que se envia para o laboratório, incluindo, em muitos casos, uma análise genética do tumor. Nas lesões malignas, habitualmente, o tratamento terá de ser continuado com radioterapia e quimioterapia.
Há determinadas lesões em que, pela sua localização profunda, a cirurgia aberta não é possível - nestes casos, habitualmente, faz-se uma biópsia guiada também por neuronavegação para colher fragmentos da lesão e ter o diagnóstico, permitindo assim planear o tratamento.
Uma menção especial para alguns tumores benignos pequenos (meningiomas e neurinomas) e metástases também pequenas que podem ser tratadas por radioterapia em dose única (chama-se radiocirurgia, mas é uma técnica de radioterapia dada numa única dose), de forma muito eficaz.
A minha mensagem final é esta: atualmente, a maior parte das lesões tumorais intracranianas podem ser tratadas de forma muito eficaz e segura com as múltiplas opções de tratamento que temos à nossa disposição. Incluindo as metástases cerebrais com origem noutros tumores, que, em quase todos os casos, se conseguem tratar eficazmente e de forma duradoura. Reconhecer os sinais a tempo e procurar ajuda médica é uma atitude que impulsiona o sucesso do tratamento e que, por isso, não pode ser adiada ou desvalorizada.
Neurocirurgião - Coordenador da Unidade de Neurocirurgia do Hospital CUF Descobertas