Tudo comunica

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Tenho um amigo que, a propósito de tudo quanto se pretende transmitir, rigorosamente tudo, adverte insistentemente: "tudo comunica!"

Não sendo eu das áreas do marketing ou da comunicação, sirvo-me deste seu "mantra" e conhecida máxima para dar nota de alguma inquietude que perpassa no tema do certificado de vacinação covid-19 que a União Europeia (UE) pretende ver eficaz antes do verão de 2021.

A começar pelo nome da coisa.

Nos últimos meses de 2020 foi sendo debatida no seio da Comissão Europeia (CE) e nos estados-membros (EM) a hipótese de um certificado de imunização tendo como função registar apenas os dados individuais sobre a vacinação, designadamente dose, datas e tipo de vacina. A ideia foi evoluindo até que, mesmo no final de 2020, se abriu o debate no Comité Consultivo para a Segurança e a Saúde da CE, tendo em vista criar-se um passaporte que, evitando as quarentenas dos vacinados, viesse a facilitar a circulação de pessoas dentro da UE. Mas logo vários EM levantaram dúvidas, precisamente quanto ao facto desta iniciativa poder, ao contrário, limitar a livre circulação. E foram-se somando prós e contras quanto a este instrumento e quais os seus limites e objetivos.

Enquanto isso, no mundo das viagens e turismo, a ideia foi ganhando cada vez mais força à medida que vários países, desde Israel, Seychelles, Islândia, e na UE, Dinamarca, Chipre, Estónia, Roménia e Polónia, foram anunciando a intenção de se abrirem às pessoas vacinadas e o primeiro-ministro grego insistia ser uma "prioridade fundamental" criar-se um certificado aceite por todos os EM que, aliás, serviria como um "incentivo positivo à vacinação".

No início de 2021 a discussão política, jurídica, ética e médica estava ao rubro e a própria presidente do Conselho Mundial de Viagens e Turismo (WTTC) declarava que "se é preciso estar vacinado antes de viajar, isso leva-nos à discriminação". E, pois claro, a própria Organização Mundial de Saúde não deixou, em janeiro, de emitir sérias reservas a tal certificado, vista a disponibilidade limitada de vacinas e as incógnitas quanto à sua eficácia na redução da transmissão. O ruído aumentou com a Organização Mundial do Turismo a apelar à coordenação dos certificados de vacinação para serem garantidos princípios, protocolos e documentos comuns e harmonizados digitalmente.

Foi por isso notável que, depois de, em fevereiro, os 27 terem convergido na ideia da criação de um passaporte que facilitasse o Turismo; em março a CE ter proposto a criação do Certificado Verde Digital ao Parlamento Europeu (PE), que serviria de prova de vacinação, teste e recuperação, a fim de suprimir as restrições à livre circulação instituídas num EM por motivos de saúde pública, como requisitos de teste ou quarentena (e que não poderia "de modo nenhum" justificar que os EM reintroduzissem, mesmo que temporariamente, controlos nas fronteiras internas para verificação do certificado, que seria digital, temporário e gratuito); eis que, a 29 de abril, o PE aprova uma proposta legislativa nesse sentido. Notável, por isso, em razão do tempo: mexer a máquina legislativa europeia em menos de 3 meses é obra!

No entanto, o documento do PE tem nuances: o suporte poderá ser digital ou em papel. Por isso o nome, que inicialmente se falava vir a ser "passaporte sanitário", em boa hora abandonado, também não será "verde" nem "digital", passando a um higiénico "certificado covid-19 da UE", com validade de apenas 12 meses. E a nuance mais relevante: o PE reivindica que os países da UE devem assegurar testes universais, acessíveis, rápidos e gratuitos, para evitar a discriminação por razões económicas. Em aberto: poderá cada EM fixar ainda outras condições para abrir as suas fronteiras para lá da exibição do certificado?

Seguem-se agora as negociações no "trílogo", com uma meta: no verão já se deverá ter aprovado um documento uniforme a 27.

Será assim? Esperemos que sim. Ansiamos que sim. A ver vamos. Ainda há muito trabalho pela frente e muitos detalhes. E é aí que está o diabo...de resto, a própria presidente da CE, que rejubilou com a abertura da indústria turística e da retoma das amizades além-fronteiras, não deixou de tweetar que se surgirem variantes existirá um mecanismo de travão de emergência rápido na UE.

Tudo comunica.... mas no meio deste ruído todo, "a coisa mais importante na comunicação é ouvir o que não é dito" (P. Drucker).

CEO da AHP - Associação da Hotelaria de Portugal

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