Trump pode ganhar a guerra das tarifas?
O problema da confusão arranjada por Donald Trump não está na bondade ou na maldade do seu país aplicar taxas aduaneiras para proteger a sua economia – por exemplo, a neoliberal França, um dos países líderes da União Europeia que agora se queixa que as tarifas de Trump podem matar a sua amada globalização, nunca prescindiu de proteger os seus agricultores da importação de produtos agrícolas estrangeiros. Como é que faz isso? Através de elevadas tarifas aduaneiras aplicadas a produtos agrícolas importados.
O problema da atual estratégia dos Estados Unidos é que usa essas taxas de uma forma brutal para atacar arbitrariamente a economia de outros países, inimigos ou aliados, e isso, seja qual for o ângulo de análise, é uma maldade e um abuso de poder.
Como é que isso é feito? Usando, por um lado, toda a força económica e capacidade financeira (e, em pano de fundo, militar) do país mais rico do mundo e, por outro lado, todo o poder fático dado por o dólar norte-americano ser a moeda de referência para determinar o preço das mercadorias e para pagar as trocas comerciais internacionais.
Mesmo numa crise grave, numa eventual recessão generalizada, os norte-americanos têm sempre um instrumento com impacto mundial que o resto do planeta não tem: imprimir notas de dólar, jogar com as taxas de juro de forma a afetar a taxa de câmbio da moeda, provocar uma “escassez” ou uma “inundação” de dólares ou agir nas bolsas para estabilizar ou alterar o valor de uma moeda que todos os países precisam ter em muita quantidade para comprar e vender fora de fronteiras.
A dívida pública norte-americana, que está acima dos 122% do PIB, é gigantesca e um problema sério que também está, lateralmente, a ser combatido com esta tentativa de reduzir o défice comercial através de tarifas aduaneiras, a par do desmantelamento dos serviços do Estado, para diminuir despesas, que, entretanto o milionário Elon Musk lançou.
Mas mesmo para reduzir essa dívida os EUA têm sempre mais uma ajuda de recurso, desesperada, é certo, mas que mais nenhum país tem: jogar com o valor do dólar para, na prática, tornar o pagamento de parte da dívida mais fácil.
À hora que escrevo, parece que Donald Trump estabilizou num regime de tarifas alfandegárias de 10% aplicado durante 90 dias às importações norte-americanas proveniente de quase todo o mundo, menos ao que vier da China, que leva com 145% de imposto. Daqui a 90 dias logo se vê.
Aparentemente, Trump assustou-se com a velocidade da queda das bolsas nas horas que se seguiram ao anúncio da entrada em vigor dessas tarifas e moderou a posição para ver se obtém dos outros países a aceitação das suas exigências sem provocar o pânico no seu próprio país. Para já, vai cobrando 10%...
Para impedir que os Estados Unidos sejam um bandido económico que, quando quer, espalha o terror nas economias do resto do mundo, só há uma solução permanente: tirar-lhe o poder de fogo. Isso implica mudar rapidamente as regras das instituições financeiras mundiais baseadas no dólar.
Mas nem os países associados nos BRICS, que têm esse objetivo no plano teórico, conseguem, na prática, entender-se sobre isso. Do lado da União Europeia, o servilismo habitual dos seus dirigentes em relação aos políticos norte-americanos imporá a sua lei. Portanto, como poucos lhe fazem frente, Trump pode mesmo ganhar a guerra das tarifas.
Jornalista