Trump insulta, Kamala avisa
Faltam dois dias e está a chegar a altura dos argumentos finais das duas candidaturas. Não podiam ser mais diferentes. Do lado republicano, Trump insiste na ideia “Kamala estragou, eu vou arranjar”. Nos comícios de Donald, a letras gigantes aparece: “Better off with Trump” (estavam melhor com Trump). Do lado democrata, o principal argumento continua a ser: Trump é horrível, não tem ética para voltar a ser presidente. Como, geralmente, uma mensagem positiva tem mais capacidade mobilizadora que uma negativa, isso pode indicar que Trump acha que está à frente e Kamala acha que está atrás. Kamala insiste na dualidade: “Com Trump escolhem o medo, a divisão, o ódio, o ressentimento; connosco escolhem o Estado de direito, a construção, a união, a harmonia.”
O Silver Bulletin congregou dados e concluiu que Trump tem grande vantagem na economia+inflação (15,8 pontos percentuais melhor que Kamala) e na imigração (12,5 pontos percentuais de diferença). Trump tem também vantagens, mas ínfimas, no crime (1,0%) e nos impostos (0,5%). Kamala surge melhor no aborto (+12,5%), democracia, incluindo polarização (+6,7%), caráter do candidato/qualidades pessoais (+4,8%) e desigualdade (+1,9%). A política externa, incluindo o Médio Oriente, mostra um empate.
Donald escolhe o modo sem freios
A Tucker Carlson, da FOX News, num evento no Arizona, Donald disse que a ‘falcão de guerra’ Liz Cheney deveria ser alvejada, numa escalada de retórica violenta contra os seus opositores: “Ela é um falcão de guerra radical.
Vamos apontar-lhe uma espingarda com nove canos a disparar contra ela, OK?” “Vamos ver como ela se sente sobre isso, quando as armas estiverem apontadas ao seu rosto.” Trump chamou Liz de “muito burra”, uma “pessoa estúpida” e “idiota”; Liz Cheney já reagiu: “É assim que ditadores destroem nações livres.” Em mais um episódio de culto do seu lado supostamente providencial, Donald Trump diz que venceria de forma esmagadora “se fosse Deus a contar os votos”. Além de explorar essa parte religiosa, do “escolhido”, assim também energiza a ideia de que as eleições são roubadas. Mostra como as suas falsas alegações de fraude eleitoral entraram nos domínios exteriores do absurdo. Porque é que Trump faz isso? Porque sabe que sempre agrava o tom do absurdo e da agressividade, assegura o controlo do ciclo mediático (tal como fez nos “cães e gatos comidos pelos haitianos) e garante a mobilização do seu campo, que aumenta ainda mais a intensidade do apoio.
A negação comoestratégia permanente
O comício de domingo à noite foi um chorrilho de insultos racistas, discursos de ódio e manifestações bizarras de uma suposta “pertença americana” que imigração envenenaria. A campanha Trump deu sinais de tentar desvalorizar o que o comediante Kill Tony referiu sobre Porto Rico - “uma ilha flutuante de lixo” -, mas na verdade Donald Trump descreveu o evento do Madison Square Garden como “um festival de amor”. É Trump a usar a tática que aprendeu com Roy Cohn, advogado nova-iorquino quase sempre metido em alhadas há várias décadas: decretar vitória quando se perde; fazê-lo várias vezes e de forma sonora, até que as pessoas acreditem. Se Trump quer que grande parte dos americanos acredite que aquilo foi mesmo “um festival de amor”, basta dizê-lo várias vezes e de forma convincente: haverá sempre quem acredite que são os outros que estão a querer prejudicá-lo ao dizer o contrário. Isto, sim, é deturpar a palavra “amor”. E, afinal de contas, a esmagadora maioria dos americanos nem esteve lá para o verificar.
Os estados decisivos por importância nos grandes eleitores
Se parece consensual considerar que há sete estados em aberto (mesmo estando Minnesota, New Hampshire e Virgínia a reduzirem na diferença de Kamala sobre Trump e mesmo que Florida e Texas tendam a poder voltar a ser democratas nos próximos ciclos eleitorais), vale a pena ver quanto vale cada um. A Pensilvânia é a maior: tem 13 milhões de pessoas e vale 19 grandes eleitores; a Geórgia tem 11 milhões e 16 grandes eleitores.
Seguem-se a Carolina do Norte, com 10,4 milhões de habitantes e vale 15 votos eleitorais, e o Michigan com dimensão quase igual: 10 milhões de habitantes e 16 grandes eleitores. O Arizona tem 7,2 milhões, o que lhe garante 11 grandes eleitores. O Wisconsin tem 5,9 milhões de habitantes e 10 grandes eleitores. Finalmente, o mais pequeno dos sete é o Nevada: 3,1 milhões, com apenas 6 grandes eleitores. Somados, estes sete estados (14% dos 50) representam 17% do Colégio Eleitoral (93 em 538). E, sim, têm o futuro dos EUA e de boa parte das grandes questões mundiais na mão. Já nos próximos dias.
Os independentes estão a escolher Trump
Biden venceu os independentes por 11 pontos, em 2020. Em setembro de 2024, Kamala subia cinco pontos entre os independentes. Agora, porém, ela está apenas dois pontos acima de um bloco-chave no centro do eleitorado, nove pontos abaixo em relação à posição de Biden no final da campanha de 2020 a nível nacional. Mais: nos estados decisivos, essa tendência parece favorecer ainda mais Trump. Olhemos para Michigan, Pensilvânia e Wisconsin: Biden venceu nos independentes por cinco pontos sobre Trump no global desses três estados. Kamala tem um ponto de atraso sobre Trump - uma diferença de seis pontos a favor de Trump na comparação das duas realidades. Os independentes são determinantes para quem ganha as eleições? Pelo menos ajudam a indicar a tendência. Desde 1952, em 18 eleições realizadas, os candidatos que venceram nos independentes venceram a eleição geral em 15 ocasiões. Só Nixon, em 1968, Ford, em 1976, e Kerry, em 2004, ganharam os independentes e não foram eleitos.
Harris bem colocada nos brancos suburbanos
A estratégia de Kamala nestes dias finais passa muito por subir nos eleitores suburbanos, como os de Milwaukee, para compensar bolsas de fraqueza na coligação democrata. Trump alienou uma parte considerável dos eleitores suburbanos com formação universitária, que ajudam a decidir as eleições presidenciais, acelerando o seu afastamento do Partido Republicano. Harris precisa deles para neutralizar o que, aparentemente, está a perder nos homens negros e hispânicos. A divisão política dos EUA já foi a divisão entre as cidades democráticas e os subúrbios republicanos. Essa divisão atravessa agora cada vez mais os subúrbios, com enclaves internos como o de Milwaukee a tornarem-se roxos (oscilantes) ou azuis (democratas) e os exteriores - e áreas rurais - a permanecerem vermelhos (republicanos).
Uma sondagem do The Wall Street Journal sobre os sete estados decisivos mostra Harris à frente de Trump por sete pontos percentuais nas áreas suburbanas, 51% a 44%. Biden ganhou nas áreas suburbanas por 10 pontos percentuais em 2020, embora essa percentagem tenha sido para os subúrbios em todo o país, incluindo em estados fortemente democratas. O mesmo estudo coloca Kamala à frente de Trump por 52/43 entre os eleitores brancos com diploma universitário nos sete estados decisivos.
Trump há muito que critica as cidades governadas pelos democratas e explora temas como o crime, a imigração e a habitação de baixos rendimentos poderem espalhar-se para os subúrbios, onde vive cerca de metade do eleitorado.