Trump e outros da mesma estirpe têm prazo de validade
É um erro pensar que entrámos numa nova ordem mundial, em que a força e o autoritarismo são as novas regras do jogo. Os princípios adotados pela comunidade das nações, sobretudo desde 1945, não desapareceram nem serão esquecidos. As ditaduras bem como as lideranças exercidas por gente desequilibrada e errática, por adeptos de visões imperialistas, por corruptos ou por criminosos de guerra, tudo isso é transitório. Mais tarde ou mais cedo, as sementes da liberdade, do equilíbrio e da justiça voltam a germinar.
Os cidadãos podem ser enganados, amedrontar-se, ceder ou alhear-se durante um certo tempo. Mas a informação deixou de ter fronteiras, mesmo em países escudados por grandes muralhas. Talvez a Coreia do Norte seja a exceção. Mas quero acreditar que também aí as barreiras acabarão por cair. O acesso à informação será mais tarde ou mais cedo libertador, se for livre e verdadeiro.
Nesta perspetiva, o que se passa hoje nos EUA é um momento de exceção. Donald Trump é um acidente na história contemporânea do país. É verdade que em pouco mais de dez semanas conseguiu submeter aos seus desígnios uma boa parte dos apoiantes e dos eleitos do seu partido, e manietar com nomeações pessoais a Administração e importantes centros do poder judicial. E criar um clima de imprevisibilidade ao nível internacional. Para além das ilusões e da manipulação dos factos, as cartas que usa são as da intimidação contra todos e do medo de muitos, do desrespeito pelas leis e pelas regras, e o poder das polícias federais, dos militares, da economia e do controlo das plataformas sociais e dos media. Tudo com o apoio incondicional de umas dezenas de bilionários. Ganha assim um controlo incomensurável sobre a sociedade americana e um peso único na cena internacional.
Não há uma base ideológica ou uma doutrina política que sustente e possa servir de justificação para as suas decisões, para além do slogan ultranacionalista, a América Primeiro. É o governo da improvisação, da incoerência e dos ziguezagues, da desumanidade e dos interesses egocêntricos de algumas personalidades. Não existem alicerces sólidos e acabará por cair.
O mundo é bem maior do que a América que existe na cabeça de Trump. E muito mais variado, quer se trate das dimensões culturais quer se pense nas redes de interesses económicos e políticos. A política de Trump leva ao isolamento e à desconfiança em relação à sua América.
Também temos líderes da mesma estirpe à frente de outras grandes potências. Mais alguns, num patamar bem inferior, que servem de acólitos dos grandes e assim se mantêm no poder. Está neste último grupo o primeiro-ministro da Hungria.
Viktor Orbán foi igualmente notícia esta semana, ao convidar alguém procurado pelo Tribunal Penal Internacional a visitar oficialmente a Hungria, por um período anormalmente extenso de cinco dias. Orbán, que está à frente de um regime corrupto e autoritário, pensa ter uma missão histórica: destruir a União Europeia por dentro, aproveitando, ao mesmo tempo, as vantagens financeiras e políticas que resultam da sua pertença à União que visa fraturar e aniquilar.
A UE não pode ignorar quão perigoso é o inimigo interno. Friedrich Merz, o próximo chanceler alemão, disse há dias que governos como o da Hungria – não mencionou o nome do país, mas as suas palavras foram claras – não devem ter acesso aos fundos europeus nem direito de voto, sobretudo em matérias de política externa da UE. Estou inteiramente sintonizado com essa maneira de ver. Não criticou, porém, a decisão de Orbán de convidar um político que deve ser detido e enfrentar a lei internacional na Haia. Pelo contrário, deu a entender que poderia, no futuro, até haver um convite alemão. É uma atitude incongruente, que mostra haver líderes alemães, várias gerações depois, que não conseguem distanciar-se dos crimes atrozes cometidos pelos Nazis. Uma das missões dos políticos é ajudar os cidadãos a libertarem-se dos grilhões do passado.
Voltando aos EUA, as decisões que Trump acaba de tomar sobre as tarifas aduaneiras não são uma sentença de morte para o comércio global nem para a cooperação económica internacional. Terão certamente, enquanto durarem, um impacto desestabilizador sobre muitas economias. O maior impacto será, todavia, interno, nos EUA, sobre a sobrevivência de muitas empresas, o emprego e o custo de vida. Acima de tudo, sobre a estabilidade interna e os resultados das eleições, muitas já em 2025 e, em especial, as intercalares de 2026. Com essas eleições, a maioria no Congresso passará para a oposição, parece hoje quase certo. O fenómeno Trump será então comparável à pandemia da Covid. O vírus continua entre nós, mas os grandes estragos duraram dois anos. O grande problema é que dois anos é uma duração insuportável na vida dos mais frágeis.