Trump e a “morte ao bóer!”
Donald Trump é excessivo e provocador e os seus excessos e provocações levam a opinião a fixar-se… nos seus excessos e provocações.
Foi o que aconteceu com a já famosa “armadilha” a Cyril Ramaphosa, presidente da África do Sul, na sala oval da Casa Branca, quando Trump surpreendeu o seu homólogo sul-africano com imagens daquilo a que chamou “o genocídio dos agricultores brancos sul-africanos”. As imagens apresentadas para ilustrar o clima de ódio racial aos brancos mostravam Julius Malema, líder do partido Economic Freedom Fighters, um partido de extrema-esquerda radical e racista, e um cemitério. Malema e o seu partido estão na oposição ao governo de coligação liderado pelo ANC, o partido de Nelson Mandela e da luta contra o Apartheid que, pela primeira vez em 30 anos, não conseguiu maioria absoluta em Maio passado. Daí que Cyril Ramaphosa se tivesse de coligar com a Democratic Alliance, um partido que tem votos de brancos e mestiços e da classe média negra. A solução tranquilizou os cerca de 4,5 milhões de brancos que residem no país.
Da narrativa mediática resultou que, afinal, as mortes dos agricultores brancos na África do Sul pós-Apartheid “também” eram uma invenção de Trump. Para o provar, fez-se a comparação entre o número de agricultores brancos assassinados e o total de homicídios – com uma média de 75 homicídios/dia numa população de 65 milhões de habitantes, a África do Sul ocupa o quinto lugar no índice mundial do crime, a seguir à Venezuela, à Nova Guiné, ao Afeganistão e ao Haiti. Ora uma coisa é condenar a “americanada” de Trump, ao qualificar como “genocídio” as mortes dos agricultores brancos e ao mostrar o ex-presidente Zuma e Julius Malema a cantar o “Morte ao Bóer”, outra é negar que o assassínio sistemático de agricultores brancos na África do Sul – e alguns por serem agricultores e brancos – é um facto incontornável desde 1994.
No sector agrícola sul-africano, há que distinguir entre propriedades de agricultura comercial, que produzem e vendem produtos para mercados (eram 60 mil em 1990 e serão hoje cerca de 30 mil, das quais 80% são de brancos), e o perto de um milhão de pequenas propriedades de subsistência, na maioria de negros (que também são assaltadas).
Segundo o relatório do European Center for Information, Policy and Security, entre 1994 e 2019, houve 12.000 ataques e mais de 1.700 assassínios (as estatísticas das associações de agricultores dão números bem mais elevados). Os assaltantes procuram vulnerabilidades na segurança e dinheiro vivo e querem, geralmente, roubar e escapar; mas tem havido casos inequívocos de ódio racial, com torturas e violações até à morte. É por isso que muitos africâneres querem emigrar para lugares mais seguros, como a América de Trump.
É exagero chamar “genocídio” (quer pela definição oficial, quer pelos números e pelas circunstâncias de outros genocídios) aos assassinatos de agricultores brancos na África do Sul? Será, com certeza; mas é verdade que, nos últimos trinta anos, pelo menos 2000 agricultores brancos foram assassinados; e é também verdade que líderes negros, como o ex-presidente Zuma e Julius Malema, gritam e cantam Kill the Boer, kill the Farmer!
Por muitas razões históricas que tenham, se isto não é crime de ódio, o que será? O pessoal da Casa Branca pode ter trocado o filme do cemitério e Trump pode-se ter excedido no modo – mas não inventou nada.
Politólogo e escritor
O autor escreve de acordo
com a antiga ortografia