As declarações de Donald Trump a respeito da Gronelândia, do Canadá, do Canal do Panamá e do Golfo do México têm dado que falar nos últimos dias, ao ponto de terem suscitado reações fortes por parte de líderes dos países visados. O rei da Dinamarca, Frederico X, teve até a necessidade de anunciar a mudança das suas armas, que passaram a ostentar símbolos da Gronelândia e das Ilhas Faroé. E um ministro francês, Jean-Noel Barrot, veio a terreiro garantir que a União Europeia não vai permitir que alguém coloque em causa as suas “fronteiras soberanas”, numa referência à região autónoma que a Dinamarca mantém no Ártico. “Somos um continente forte”, acrescentou o governante numa entrevista a uma estação de rádio francesa.As declarações de Trump não são, obviamente, para interpretar de forma literal. Os Estados Unidos não vão invadir o Canadá e o Panamá, nem roubar a Gronelândia à Dinamarca, entrando em guerra com dois aliados da NATO. Como devem, então, ser interpretadas estas tiradas do presidente-eleito dos Estados Unidos? As possibilidades são várias. Por um lado, Trump pode estar a seguir a velha tática de se mostrar imprevisível e “louco”, como forma de dissuadir potenciais rivais e adversários. Afinal, alguém quererá arranjar problemas com um presidente dos Estados Unidos que age de forma imprevisível e com consequências potencialmente devastadoras? A este respeito, devemos ter em conta que já no primeiro mandato Trump agiu desta forma, mas acabou por ser o presidente norte-americano menos belicoso das últimas décadas. Por outro, com estas declarações, o presidente-eleito dos Estados Unidos estará a tentar levar a água ao seu moinho.No caso do Canadá, quererá criar condições para diminuir o significativo défice comercial dos EUA com o seu vizinho do norte. No que diz respeito ao Panamá, ao levantar a possibilidade de uma intervenção no canal, Trump procura garantir que os interesses de segurança e comerciais dos Estados Unidos são tidos em conta naquela artéria vital, face à crescente influência chinesa na área.Quanto à questão da Gronelândia, poderá haver alguma verdade na pretensão de anexar a ilha, se esta se separar da Dinamarca nos próximos anos, sobretudo tendo em conta as suas riquezas naturais e o valor estratégico do Ártico. Mas, até que esse dia chegue, talvez a preocupação de Trump esteja em assegurar que Copenhaga investe o suficiente na defesa da Gronelândia, preferencialmente com a compra de armamento norte-americano.As palavras de Trump trazem consigo, no entanto, outro significado, que foi notado pelo ministro francês: estamos a voltar a uma era em que a lei do mais forte parece imperar nas relações internacionais. Neste contexto, a União Europeia estará condenada à irrelevância, se não investir a sério na sua capacidade militar. Diretor do Diário de Notícias