Transformar o SNS. Desafios da saúde mental

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A promoção da saúde e prevenção da doença mental

Os últimos dois anos conferiram à saúde mental - sem a qual não há saúde, como proclama a OMS - uma maior visibilidade, seja pelos impactos da pandemia, pelos efeitos da guerra na Ucrânia ou de assassínios em massa.

E não apenas sobre os diretamente implicados, mas, de uma forma transversal, às comunidades em geral, constituindo um verdadeiro problema de saúde pública, dando corpo ao que os vários atores da área, utentes, famílias, profissionais e académicos, vinham clamando há décadas.

Impõe-se, assim, que na generalidade dos serviços de saúde, dos cuidados de saúde primários aos continuados, lhe seja dada a devida atenção, para o que deverão ser dotados de profissionais com competências próprias para desenvolver ações de promoção da saúde mental, detetar precocemente situações de risco ou garantir uma continuidade de cuidados eficaz.

Dessa forma se facilita o acesso a cuidados adequados e se contribui para reduzir o estigma - a que ainda hoje está votada uma parte significativa das pessoas com doença mental, em especial as de maior gravidade -, garantindo, se necessário, uma referenciação atempada.

Intervenção na doença mental

Apesar de a saúde mental dever merecer atenção em todos os contextos, tal não significa que os serviços de saúde mental - integrados na rede geral de cuidados de saúde - não devam ser dotados dos recursos materiais e humanos necessários às suas funções, em particular quando se tornem necessárias intervenções multiprofissionais especializadas, com especial atenção às pessoas com doença mental grave.

É indesmentível que a saúde mental não tem tido a atenção nem os recursos adequados ao relevo que ora lhe é reconhecido, apesar das iniciativas tomadas nos últimos anos quer ao nível do planeamento, quer legislativo e normativo, permitindo reorganizar os serviços de saúde mental e melhorar a sua integração com os restantes cuidados de saúde, para o que será fundamental um sistema de informação acessível e centrado no cidadão.

Dessa forma se promove uma maior equidade e a melhoria do acesso a cuidados de saúde de proximidade, com qualidade, com respostas de reabilitação e reintegração social e profissional, bem como a continuidade de cuidados ao longo da vida às pessoas que sofrem de doença mental grave, a quem é fundamental disponibilizar os recursos terapêuticos apropriados.

O acesso a cuidados integrados e de proximidade através de serviços locais de saúde mental - para a infância e adolescência e para adultos - distribuídos pelo território nacional e com foco particular na atividade comunitária, permitindo o diagnóstico atempado, o tratamento e acompanhamento adequados às necessidades da pessoa com doença mental e da sua família, constitui um desafio imprescindível.

O trabalho em rede, com as famílias, estruturas da comunidade e instituições do setor social, assume particular relevância na prestação e continuidade de cuidados ao longo da vida, promovendo respostas intersetoriais (saúde, educação, habitação, Segurança Social, justiça, finanças, entre outras) tão necessárias.

O Plano de Recuperação e Resiliência contempla medidas destinadas às pessoas com doença mental grave e crónica e que, se implementadas nos termos propostos e com financiamento adequado, darão resposta a algumas das pessoas com doença mental grave que ainda permanecem em hospitais psiquiátricos.

Famílias cuidadoras e parceiras

A família deve ser incluída no processo de tratamento e de reabilitação como alvo e parceira, assim como na definição, monitorização e avaliação de medidas e políticas.

Medidas de apoio ao cuidador são fundamentais, contemplando todas as situações em que o cuidador tem de prescindir ou diminuir a sua atividade laboral para cuidar, não esquecendo o descanso periódico do cuidador, medida a implementar e da maior importância para promover a saúde e bem-estar e prevenir o burnout.

Os serviços devem ser objeto de acompanhamento e monitorização, incluindo a avaliação de resultados da qualidade de cuidados e satisfação, levados a cabo por equipas que incluam os utilizadores e seus representantes, dando cumprimento à Lei de Bases da Saúde e demais legislação aplicável.

Profissionais de saúde

A carga sobre os profissionais de saúde aumenta, assim como a complexidade crescente da tomada de decisões, com perda de autonomia, sem uma compensação justa e, muitas vezes, com uma sobrecarga de tarefas administrativas que os afastam da essência das suas funções, o que pode justificar a saída dos profissionais e até o risco de abandono da profissão.

Assim, as abordagens para mitigar, reduzir e resolver eventuais situações de burnout devem ser multifacetadas e incluir intervenções para melhorar as condições do local de trabalho, promovendo uma cultura de apoio, relacionamentos, desenvolvimento e liderança com foco individual e de grupo.

Monitorização

Este ambicioso desafio deverá ser continuadamente acompanhado e avaliado, com particular atenção:

- Ao desenvolvimento da rede de serviços locais e de equipas comunitárias para a infância e adolescência e para adultos;

- À continuidade de cuidados, particularmente das respostas de proximidade para a doença mental grave;

- À articulação com os cuidados primários, especializados e respostas na comunidade;

-À estrutura e funcionamento da rede nacional de cuidados continuados integrados de saúde mental para a infância e adolescência e para adultos;

- Ao acompanhamento das famílias.

Esta monitorização, instrumento privilegiado do desenvolvimento na área da saúde mental, deverá ser periódica, rigorosa e amplamente partilhada, porque a saúde mental é tarefa de todos.

Joaquina Castelão é presidente da Federação Familiarmente; José Carlos Santos é professor coordenador da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra; António Leuschner é presidente do Conselho Nacional de Saúde Mental.

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