Trabalhar para esquecer

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Quando pensamos em adições pensamos de imediato no álcool e nas drogas. Mais recentemente, pensamos também nas dependências sem substância, como a dependência dos écrans. Esquecemo-nos, porém, de uma dependência tão frequente e nem sempre entendida como tal e, pior, valorizada socialmente - o trabalho.

Vivemos numa sociedade em que é habitual as empresas pedirem (ou exigirem) muitas horas extra. Mesmo quando o trabalho está em dia, sair a horas é malvisto. Por outro lado, a precariedade no mundo laboral leva muitas pessoas, jovens e menos jovens, a terem de assumir várias atividades profissionais, com tudo o que isso implica em termos de esforço e escassez de tempos livres e descanso.

Outra realidade muito menos visível - para quem a vive na primeira pessoa e também para quem com ela convive de perto - relaciona-se com o facto de muitas pessoas encontrarem no trabalho um refúgio para os seus problemas. Ao invés de afogarem as mágoas no álcool e de beberem para esquecer, como habitualmente se diz, trabalham para esquecer. É como uma fuga para a frente e, não raras vezes, um processo de negação.

Trabalhar para esquecer envolve, assim, vários problemas. Pode traduzir um esforço (consciente ou inconsciente) para não ter de lidar com situações problemáticas. Negam-se ou ignoram-se os problemas, o que significa que, com elevada probabilidade, os mesmos não serão geridos e resolvidos de uma forma saudável e construtiva.

Ao mesmo tempo, esta estratégia desajustada para lidar com os problemas é, paradoxalmente, reforçada socialmente. A pessoa é vista como alguém com uma capacidade de trabalho incrível, esforçada e dedicada, e é por isso também recompensada, seja através de elogios, seja mesmo do ponto de vista financeiro.
Trabalhar em demasia é, para muitos, uma forma de lidar com o stress, que acaba, depois e à medida que os anos passam, por ser fonte de outros problemas. A ausência de descanso e de lazer, a escassez de horas de sono e a dificuldade em conciliar a vida profissional com a vida pessoal e familiar têm um preço a pagar.

É, por isso, fundamental que, não apenas quem se refugia no trabalho, mas também quem está em seu redor, reflita sobre esta situação. Até onde é investimento e foco na vida profissional e a partir de quando se torna, em si mesma, uma situação problemática?

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