Tiago
Faz sentido a sociedade portuguesa falar abertamente sobre a morte de Odair Moniz, um homem aparentemente desarmado atingido a tiro por um agente da PSP no Bairro da Cova da Moura. Faz todo o sentido perceber, ao pormenor, o que se passou, escrutinar a atuação da polícia e contextualizar o incidente no quadro dos bairros problemáticos e mais pobres da capital.
Também faz sentido não esquecer que, na sequência dessa morte ainda não totalmente explicada, uma outra pessoa ia morrendo nos distúrbios que assolaram vários bairros de Lisboa e de outros distritos.
Falo do motorista de um autocarro, conhecido apenas - e a pedido da família - como Tiago, queimado vivo com um cocktail molotov num ataque cometido por nove encapuzados.
O DN não o esquece. Hoje contamos a sua história, os seus sonhos e ambições, pela voz de amigos e camaradas de trabalho. Contamos a dura luta que travou contra um cancro, que já estava ultrapassado. Uma luta para a qual foi agora, e novamente, atirado, mas contra as mazelas da pele e das vias respiratórias, queimadas pelas chamas. Seguir-se-á a luta contra as sequelas do foro psicológico, que costumam instalar-se na mente das vítimas deste tipo de crimes.
Faz sentido contar a história de Tiago - um homem incendiado e deixado a arder por nove criminosos - e não deixar que a espuma dos dias, no seu vaivém, passe por cima de um crime que, estranhamente, tem merecido apenas uma fração da atenção coletiva dos portugueses e da classe política, independentemente da cor. Laranja, rosa, azul, vermelha, verde ou outra.
O DN não o esquece, nem se esquecerá de escrutinar até ao limite os esforços - ou falta deles - das autoridades policiais para encontrar, reunir prova e apresentar a um magistrado os responsáveis pelo crime que mandou Tiago para um coma e anos de recuperação. As autoridades policiais portuguesas têm experiência e competência suficientes, já demonstradas no passado, para cumprir esta missão. Cumpram-na.
Diretor-Adjunto do Diário de Notícias