Tempo que custa dinheiro
Há uma coisa que o Estado português continua a fazer mal: lidar com o tempo. Não o tempo meteorológico, mas o outro - o tempo da decisão, da autorização, da execução. E isso custa caro. Não apenas em dinheiro, mas também em credibilidade, eficácia e confiança pública.
A recente polémica em torno das alegadas demoras nas pronúncias do Tribunal de Contas sobre concursos públicos de grande envergadura voltou a expor um problema antigo: o da lentidão estrutural com que o aparelho do Estado se movimenta, mesmo - ou sobretudo - quando mais se exige que ande depressa.
A culpa não é do Tribunal, cuja função de controlo financeiro é tão indispensável quanto constitucional. O problema está na forma como essa função é exercida: centralizada, uniformizada, talvez desfasada do conhecimento concreto das áreas que fiscaliza. Um parecer que chega tarde não é apenas um parecer inútil - pode ser um parecer prejudicial. Adia investimentos, paralisa políticas públicas, trava decisões tecnicamente maduras e democraticamente legitimadas. E tudo isto num contexto em que a morosidade tem efeitos económicos e sociais mensuráveis.
Faria sentido, por isso, repensar o modelo atual e apostar numa lógica de maior especialização temática dentro da própria estrutura do Tribunal de Contas e especialmente de maior proximidade ao ente público contratante, desde logo quanto às decisões do Governo, as de maior dimensão financeira. Porquê continuar a submeter decisões altamente técnicas - sobre projetos energéticos, contratações no setor da saúde ou grandes sistemas digitais - ao circuito quase indiferenciado de apreciação prévia? Por que não prever equipas fisicamente e em permanência destacadas nos Ministérios, com formação e prática específicas, que acompanhem de forma contínua as áreas governativas mais complexas, antecipando riscos, esclarecendo dúvidas e preparando a decisão jurisdicional com mais rapidez e mais profundidade?
Trata-se de especializar o controlo, não de o diluir. Em vez de ver o Tribunal como uma torre de marfim que intervém no fim, vê-lo como parte de um circuito de vigilância qualificada, que começa mais cedo e está mais bem informado. Não se propõe um modelo de promiscuidade entre quem executa e quem fiscaliza, mas de conhecimento partilhado, como forma de garantir que o julgamento final é feito com real compreensão da matéria que está em causa.
Há exemplos úteis lá fora. O Government Accountability Office (GAO), nos Estados Unidos, tem equipas especializadas por setor: saúde pública, defesa, ambiente, transportes. Produzem pareceres sólidos, baseados em dados, e mantêm um diálogo técnico com as agências federais. No Reino Unido, o National Audit Office opera de forma semelhante, com unidades que seguem os departamentos governamentais em permanência, permitindo uma fiscalização mais ajustada à realidade. Nenhuma destas instituições abdicou da sua independência. Ganharam, isso sim, em relevância e rapidez.
Portugal precisa de um Tribunal de Contas forte - mas também próximo do conhecimento e do tempo útil da decisão. Porque o rigor, quando chega tarde, já pouco protege. Cabe aos governos decidir bem e cumprir a lei. Mas a legalidade, quando adia as soluções, transforma-se em obstáculo involuntário ao interesse público.
Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa