Temos dois anos para transformar a União Europeia

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Desde a tomada de posse de Trump vivemos um tsunami de mudanças em que o mundo se aproxima de um novo modelo, onde os Estados Unidos e a China serão as grandes potências dominantes e o resto dos países terão de navegar entre as ondas criadas por um e outro.

Se a China está a construir pontes com um grupo crescente de parceiros, como os membros dos BRICS - nomeadamente a Rússia - e os países que são destino da política de apoio ao desenvolvimento que Pequim tem vindo a implementar nas últimas décadas, as últimas três semanas parecem mostrar que os Estados Unidos estarão a queimar as pontes com os seus aliados tradicionais, a abandonar ou tornar inúteis as organizações internacionais e a erguer muros físicos, tarifários e políticos para se isolarem do resto do mundo.

De entre as várias vítimas das políticas de Washington, a União Europeia estará na primeira linha. Idealizada num modelo de integração económica e comercial, dependente de um sistema internacional baseado na diplomacia, direito internacional e organizações multilaterais, delegando a sua Defesa nos Estados Unidos e na NATO e construída sobre um sistema institucional que procura acomodar a sua dupla natureza supranacional, mas composta por Estados soberanos, nada na UE parece ter sido pensado para gerir o fim do sistema que nasceu no final da Segunda Guerra Mundial e que nos governou coletivamente nos últimos 80 anos.

Assim, a pergunta coloca-se: E agora União Europeia?

Para tentarmos responder, teremos de considerar várias dimensões diferentes onde a UE se move, nomeadamente a económica e comercial, a da política externa e de defesa e a presença da UE no mundo.

Ao contrário de outros tabuleiros de xadrez, a União Europeia é um ator relevante nas políticas económica e comercial, onde tem argumentos, instrumentos e capacidade para influenciar os acontecimentos no mundo. E enquanto os Estados Unidos se apressam a minar a economia mundial através da imposição de tarifas a amigos e adversários, a UE tem um mercado interno de 450 milhões de consumidores e acordos comerciais em vigor ou em perspetivas com as maiores economias do mundo. Ou seja, a UE tem a possibilidade de criar uma larguíssima área de comércio livre e regulado com alcance mundial, incluindo novos instrumentos que, cuidando dos interesses europeus, possam estabelecer uma nova relação com a China.

Se na economia e comércio a UE tem argumentos, o mesmo não se passa na política externa e de defesa. Institucionalmente, Bruxelas só pode tomar decisões se nenhum dos 27 Estados-membros se opuserem, contanto a abstenção como uma declaração de desagrado, mas não como um travão à capacidade de se seguir em frente. Foi o que aconteceu recentemente, quando a Hungria terá sido persuadida a permitir que a UE tomasse uma posição sobre a Ucrânia. Sem prejuízo para a reconhecida capacidade de António Costa em construir pontes onde pontes parecem impossíveis, a verdade é que a UE poderá ter de se contentar com o mínimo denominador comum numa época em que necessitamos de decisões corajosas e ousadas.

Já no que diz respeito à política de defesa, a UE sabe que já não pode contar com a proteção americana e a Comissão anunciou um pacote de financiamento para construir uma capacidade de defesa autónoma, ao mesmo tempo que a França, que volta a contar com o eixo estratégico com a Alemanha e que tem sido central para o avanço da UE, propôs utilizar a sua capacidade de dissuasão nuclear para proteger a Europa.

Olhando finalmente para a presença da UE no mundo, onde Bruxelas tem instrumentos e tem políticas, seria importante estabelecer um mecanismo de cooperação aprofundada com as várias democracias, que estarão certamente tão preocupadas como nós com os desenvolvimentos a que assistimos. Países como o Reino Unido, Canadá, Brasil, África do Sul, Índia, Coreia do Sul, Japão, Austrália e Nova Zelândia, entre outros, são parceiros naturais com quem poderemos trabalhar para salvaguardar o modelo multilateral, ao mesmo tempo que criamos mecanismos onde as democracias dos países em desenvolvimento tenham uma voz e um papel de liderança a desempenhar na gestão do mundo.

Este é um catálogo de políticas exigente e difícil que vai obrigar a uma muito maior integração da UE, convencendo, ultrapassando ou mesmo isolando as capitais que não estejam disponíveis para se juntar à vontade da maioria. E não temos muito tempo. Para ser mais preciso teremos até 2027, quando a França terá Eleições Presidenciais e os Estados Unidos tiverem um novo Congresso. Se não preparamos a UE para lidar com este novo mundo enquanto temos as condições internas e o incentivo externo para tomar as decisões difíceis, dificilmente seremos capazes de o fazer depois.

Professor Convidado IEP/UCP e NSL/UNL

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