Tarifas de leão, saídas de sendeiro
O presidente americano começou por impor tarifas ao Canadá, México e China relacionadas com o fentanil. Depois, invocando ameaça à segurança nacional, impôs mais tarifas sobre veículos e suas componentes, aço e alumínio de todos os países. Finalmente, alegando a proteção das indústrias americanas, o combate a práticas comerciais desleais e uma suposta “emergência económica nacional”, anunciou, a 2 de abril, as famigeradas tarifas “recíprocas” impostas a quase todos os países, incluindo aqueles com quem os EUA não têm um défice na balança comercial. Esta saraivada de tarifas – em violação flagrante de acordos comerciais sob a égide da OMC e do acordo USMCA – gerou enorme instabilidade económica, as bolsas de valores perderam 11 biliões de dólares e vários analistas e relevantes investidores institucionais declararam estar iminente uma recessão económica global. As taxas de juro das Obrigações do Tesouro e títulos similares americanos (UST) caíram, o que era favorável para o refinanciamento em 2025 de uma enorme tranche (>9 biliões de dólares) da dívida pública federal (36 biliões de dólares). Entretanto, a China decide vender no mercado 50 dos 760 biliões de dólares de UST de que é titular e, com esta venda, provoca uma significativa subida das taxas de juro das UST a 10 anos para 4,5 % e a 30 anos para 5 % relembrando que tem várias cartas para jogar nesta guerra comercial.
A 9 de abril, Trump anuncia a suspensão, por 90 dias, das tarifas “recíprocas”. As ações voltam a subir nas bolsas de valores. Esta suspensão não inclui as tarifas impostas ao Canadá, ao México e à China. O México não retaliou, o Canadá impôs tarifas retaliatórias de 25% e não houve escalada. A China também adotou medidas retaliatórias equivalentes, mas, neste caso, o governo americano retorquiu aumentando as tarifas (145% a 10 de abril) e a China ripostou em medida equivalente (125% a 11 de abril).
A 11 de abril, os EUA “clarificam” que uma série de produtos eletrónicos (telemóveis, PCs, notebooks, semicondutores, células solares, ecrãs planos de TV, SSDs, cartões de memória – c. 25% das importações de bens da China) estão isentos das tarifas “recíprocas” (mas apenas temporariamente).
Entretanto, a China restringiu as exportações de mais cinco metais críticos utilizados na defesa, energias verdes e outras indústrias, num claro aviso aos EUA.
É cada vez mais claro que Trump não apenas isolou os EUA de países aliados, como destruiu a credibilidade do país e criou um problema sem uma estratégia para a sua solução, sobretudo atenta a interdependência económica em tantos domínios.
Neste “tariffgate”, após a entrada de leão, a dependência de muitas empresas americanas de fornecimentos da China (e da Europa, do Canadá e do México) vai provavelmente levar Trump a mais saídas de sendeiro.
Consultor financeiro e business developerzwww.linkedin.com/in/jorgecostaoliveira