Suspender o que não pode ser suspenso: o asilo nos EUA e na Europa
Pouco depois de tomar posse, Donald Trump correu para a Casa Branca com a preocupação n.º1 de passar um gigantesco rolo compressor na matéria de imigração. Deportações em massa, alterações ao histórico ius soli (cidadania concedida a todos os que nascem no território) e suspensão do direito de asilo a quem chega pela fronteira a Sul, foram as primeiras medidas-estandarte adotadas em tempo recorde. Na Europa indignamo-nos, apelidamos as mesmas de xenófobas. Só que aqui também se estão a fazer coisas semelhantes.
Em dezembro passado, o jornal Le Monde reportava que, apenas um dia após a queda do regime de Bashar al-Assad, a Alemanha, Suécia, Dinamarca, Noruega e Reino Unido suspendiam os pedidos de asilo de pessoas de nacionalidade síria, e a Áustria preparava-se para iniciar um programa de retorno das mesmas.
O que torna estas políticas semelhantes à americana? A violação do Direito Humano a procurar asilo e do princípio do non refoulement, que impede a devolução de pessoas para países onde possam ser perseguidas ou sujeitas a maus-tratos. É que o direito de procurar asilo não pode, pura e simplesmente, ser suspenso - mesmo em Estado de Sítio ou de Emergência - já que a falta de proteção de quem dele precise poderá acarretar a sua sujeição a perseguição e maus-tratos no país de origem, o que é proibido pelo Direito Internacional. Foi por isso que, durante a covid-19, se mantiveram os chamados “voos humanitários” e critiquei os Estados que suspenderam o direito de asilo, já que a pandemia não travava as perseguições.
A política de imigração é juridicamente complexa e importa separar o trigo do joio: há coisas com que os governos podem acabar (a Manifestação de Interesse, por exemplo), há outras que não, como a concessão de asilo. Não significa isto que se tenha de aceitar todas as pessoas que pedem asilo, mas tem de se analisar, sempre, todos os pedidos individualmente, e proteger quem efetivamente precisa.
Ora, a Síria ainda está longe de ser considerada um país seguro e estável. A situação individual de cada pessoa pode também ser diversa, em função do seu historial. Assim, a imposição de retornos forçados é arriscada e inaceitável. O mesmo se diga das pessoas que “entram pela fronteira sul” dos Estados Unidos. Por exemplo, a jurisprudência internacional já considerou não se poder afastar migrantes para países onde estejam sujeitos a violência, ainda que de gangues ou milícias. Ora, no meio dos migrantes desesperados, que do México tentam entrar na promissed land, muitos poderão estar nessa situação e ter, efetivamente, direito ao asilo.
Há coisas inegociáveis em matéria de imigração: aquelas em que estão em jogo verdadeiros Direitos Humanos. Aí os Estados não podem ceder, pois é aí que o seu compromisso para com a Humanidade se cobra. Assim, enquanto houver violência e perseguição nos países de origem, a proteção do direito de asilo não pode ser suspensa em nenhum Estado de Direito.
Professora da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa
Investigadora do Lisbon Public Law