Sucessos regionais e protagonismo internacional na proteção do Atlântico Norte
Termina hoje em Cali, na Colômbia, a Conferência das Partes da Convenção sobre a Diversidade Biológica (COP16). Um dos aspetos em discussão nesta conferência foi o estado de implementação do acordo de Kunming-Montreal, no quadro do qual governos de todo o mundo se comprometeram a proteger 30% da superfície do planeta, em terra e no mar, até 2030. Infelizmente, ainda estamos longe de atingir esta meta a nível global. Em terra, estamos próximos do marco de 20% da superfície com algum estatuto de proteção. No oceano, ainda não temos 10% de cobertura por áreas marinhas protegidas.
Portugal tem mostrado, consistentemente, liderança na definição de políticas para proteção do oceano na arena internacional. Relembro, por exemplo, as duas primeiras Conferências dos Oceanos das Nações Unidas, em que fomos co-facilitadores das negociações da primeira, em Nova Iorque, e anfitriões da segunda, em Lisboa.
Graças a uma iniciativa do Governo Regional dos Açores, que se consumou no decorrer da COP16 de Cali, Portugal brilhou ao anunciar a classificação da maior rede de áreas marinhas protegidas da Europa. O novo Parque Marinho dos Açores protege legalmente 30% do mar dos Açores, numa extensão de 287 000 Km2. Este anúncio teve ecos mediáticos em todo o mundo, reforçando o merecido capital político dos Açores e de Portugal em política marítima.
Há dois anos, a Região Autónoma da Madeira aprovou o alargamento da Reserva Natural das Ilhas Selvagens multiplicando 27 vezes esta área com proteção total, que passou para 2 677 Km2. Importa referir que em ambos os casos as Regiões Autónomas desenvolveram o seu trabalho com o apoio e em colaboração estreita com universidades, centros de investigação e organismos privados, como a Fundação Oceano Azul e o Waitt Institute.
Estas notícias levantam duas questões. A primeira é se as autonomias regionais, uma importante conquista do 25 de abril, não devem ver reforçadas as suas competências no mar, em domínios específicos, nos quais têm reiteradamente dado provas de capacidade e visão. A conservação da natureza é, indiscutivelmente, um desses domínios. A segunda é entender porque é que o Governo da República não consegue classificar e organizar uma rede de áreas marinhas protegidas que cubra 30% da sub-área continental da nossa zona económica exclusiva, apesar de anos de trabalho em gabinetes ministeriais e em grupos de trabalho com esse propósito.
Há duas diferenças conspícuas entre os contextos regional e nacional, que podem oferecer pistas. Uma é quem classifica as áreas marinhas protegidas - nas Regiões Autónomas são os parlamentos regionais e a nível nacional é o Governo. A outra é a concentração mais clara das competências de conservação do ambiente marinho numa única direção regional nas autonomias, em contraste com uma dispersão dessas competências por diferentes órgãos da administração pública no Governo central. Sendo difícil argumentar que uma aprovação parlamentar é mais fácil de obter do que uma decisão de um governo, resta-nos a segunda diferença como base de reflexão.
Fausto Brito e Abreu
Ex-Diretor Geral de Política do Mar