Sondagens e piruetas

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As sondagens têm cumprido o seu papel: preenchem as capas dos jornais e mantêm alguma incerteza sobre o resultado das eleições de 30 de janeiro. Alguma incerteza, bem entendido, porque, apesar de tudo, revelam padrões que parecem estáveis. Já os partidos têm ensaiado piruetas, a que não são alheias as mesmas sondagens.

Vamos aos padrões. O primeiro revela que o PS ganha sempre e o PSD perde sempre. A distância entre ambos já foi grande, já foi menor, voltou a ser grande e parece ser agora menor. Quem conhece as tecnicalidades das sondagens sabe que este harmónio não é invulgar. Tomando, por exemplo, a última sondagem da Católica para a RTP, Antena 1 e Público, lemos na sua ficha técnica que a taxa de resposta se ficou pelos 42%, que apenas 44% dos inquiridos eram mulheres e que foram selecionados exclusivamente números de telemóvel. Estes são parâmetros que podem alterar de forma sensível os resultados, razão pela qual prefiro analisar os padrões.

O segundo padrão é a bipolarização. Socialistas e sociais-democratas recolhem algo mais que 80% dos mandatos de deputados, uma realidade que não apresenta sinais de mudança em Portugal. Ainda assim, a diversidade com que se distribuem os restantes 20% veio para ficar. O mosaico partidário nacional é hoje mais rico, refletindo uma sociedade que, ela própria, vem incorporando novas realidades, tendências e aspirações.

O terceiro padrão é a maioria de esquerda. Neste processo eleitoral, o somatório dos resultados dos partidos da direita nunca superou o da outra metade do espectro em qualquer das sondagens. É curioso constatar esta tendência do eleitorado e confrontá-la com o exército de comentadores de direita, que se esforçam por veicular uma realidade virtual que não encontra correspondência no país nem na população.

O quarto padrão é o da mobilidade dos eleitores dos partidos mais pequenos. À esquerda, bloquistas e comunistas estão a ser penalizados pelo seu radicalismo e pela irresponsabilidade de terem derrubado o governo. À direita, o CDS e parte do PSD estão a ser substituídos pelo IL e pelo Chega, o que não deixa de ser clarificador, pois separa duas outras formas de radicalismo: o liberalismo militante e o extremismo xenófobo.

Por fim, o quinto padrão é o que resulta da pergunta feita aos eleitores sobre a melhor escolha para primeiro-ministro. Aí, António Costa esmaga Rui Rio. Os eleitores, independentemente da sua preferência partidária, acham que Costa é mesmo o mais bem preparado para conduzir o país no pós-pandemia.

E o que fazem os partidos com estes resultados? Piruetas. O BE e a CDU andaram a alijar responsabilidades no chumbo do Orçamento. Como não convenceram ninguém, andam agora de mão estendida a mendigar aos socialistas a aliança de esquerda que esbanjaram. As contas far-se-ão após o dia 30, mas suspeito que comunistas e bloquistas não estarão em grande posição negocial. O PS, que chegou a piscar o olho ao PAN e ao Livre, parece por agora afastar-se, para não ser contaminado pelas suas polémicas.

O PSD, por sua vez, iludido pela vitória em Lisboa, engrossou a voz e atirou o CDS pela borda fora. Agora, como não parece em posição de ganhar, já anda a prometer ministérios a putativos parceiros, com a cereja no topo do bolo que seria termos "Chicão" a ministro da Defesa. De caminho, não perde uma oportunidade para normalizar o Chega, o que indicia que não hesitaria em puxá-lo para uma solução governativa.


Professor catedrático.

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