Socialismo na gaveta?

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O rescaldo das eleições presidenciais fez emergir uma interessante discussão no Partido Socialista relativamente ao seu posicionamento ideológico e à sua capacidade para integrar esse debate e a divergência de opiniões.

Se a discussão ideológica é particularmente salutar quando se aproxima o congresso, marcado para julho, as acusações de monolitismo e falta de liberdade interna são particularmente estranhas, tanto mais que os supostos representantes das correntes alternativas têm lugares relevantes na estrutura partidária, são membros do Governo ou foram indicados para cargos de destaque. Nada os tem impedido de apresentarem as suas posições, nem interna nem externamente, do mesmo modo que essas posições não foram obstáculo à sua escolha.

Estranha falta de liberdade e democracia interna esta, em que se pode discutir e divergir sem qualquer problema...

Convivem no PS diferentes linhas ideológicas. Acontece apenas que a linha maioritária entre militantes e eleitores do PS não é a que os críticos eventualmente gostariam. Estão no seu direito, mas isso não torna o PS menos democrático.
A linha atual - que é maioritária, tal como o foi na maior parte da história do partido - é a esquerda moderada, o centro-esquerda. Foi com essa linha ideológica que António Costa ganhou o PS e o Governo. É essa a linha que se mantém e foi sempre com ela que o PS ganhou o país.

Desde que é líder, António Costa disse o que hoje continua a dizer: que não se aliaria ao PSD e que os parceiros privilegiados do PS estão à esquerda. O que, de modo natural, foi uma vez mais confirmado com o acordo com o PCP para viabilizar o atual orçamento. Não houve, portanto, mudança de orientação política.

Mas, para alguns, existem duas provas definitivas de um desvio de direita: ter tentado obter o melhor resultado possível nas eleições legislativas (há algum partido que não o tente?) e não ter apresentado um candidato nas presidenciais (tal como fez há cinco anos). Onde está, portanto, a prova de que algo mudou? Se algo se comprova, é que a linha política se mantém.

Aquilo que mudou foi o contexto político interno (a aproximação do congresso), potenciado pelo natural desgaste criado pela gestão da pandemia e consequente crise económica. É por isso que se intensifica agora o debate.

Mas acusar a direção de deriva centrista é tentar criar uma clivagem entre dois polos (centristas versus esquerdistas) que não correspondem à realidade. É manipular a linguagem para influenciar a leitura do real.

Porque, na verdade, coexistem três tendências no PS: centrista (a direita do PS), corporizada por aqueles que se opuseram à geringonça; esquerda moderada (a linha da direção), que é também a minha; e esquerdistas (ou esquerda radical, conforme quem a eles se refira).

Claro que admitir que a linha atual é a esquerda moderada não convém aos críticos, sobretudo porque tal é revelador de onde estes se situam no espectro ideológico. Mas não é por lhe tentarem dar outro nome que a realidade muda. Tal como Mário Soares nunca deixou de ser socialista por o acusarem de ter posto o socialismo na gaveta.

2 valores

A bastonária da Ordem dos Enfermeiros, que foi à Convenção do Chega "dar um beijinho" a André Ventura, segue a prática do seu amigo. À mentira juntou uma falta de educação que certamente envergonha a sua classe. Estará a fazer o tirocínio para ser candidata do Chega?

Eurodeputado

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