Sobre a emoção na poesia e o Norte na geografia

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Não basta que os poemas sejam belos;
força é que sejam emocionantes
e que transportem, para onde quiserem,
o espírito do ouvinte

Horácio


Sentir? Sinta quem lê!

Fernando Pessoa

Escrevi há poucos dias uma carta a um poeta, que prezo e estimo, em que confessava que tivera duas leituras diferentes do seu livro, conforme a emoção que os poemas despertavam em mim.

Não estou a voltar (apesar da idade, que tem destas coisas...) à ideia primária do poema como expressão direta de emoções e sentimentos do seu autor.

Aprendemos que há uma distância entre o ser humano que escreve os poemas e o sujeito poético que deles é o autor. E não renego esse ensinamento.

O que eu defendo (e não sou original neste ponto) é simplesmente que a emoção do poema está do lado de cá, do lado do leitor. Éluard dizia que “o poeta é aquele que inspira, não aquele que é inspirado”. E Julien Gracq diz-nos que o poema só alcança a sua finalidade quando vai “direito ao coração de um leitor desconhecido”. Por isso, eu, que sou um leitor e não um crítico, recebi o livro do meu amigo como um conjunto de poemas, de que admirava ou compreendia o valor puramente literário ou formal, mas que só abalavam a minha sensibilidade (para não lhe chamar coração...) em alguns poemas, bem definidos e localizados, onde eu me poderia transformar no “leitor desconhecido” de Gracq e deixar de lado a minha visão puramente analítica.

Mas nada disto é imutável: um poema que eu conheço há muitos anos, de um poeta que abundantemente li, pode de repente desencadear esse abalo, que durante muitos anos não deflagrou.

Com este arrazoado estarei a defender uma leitura sentimentalista e puramente subjetiva da poesia? Estaria, se não reconhecesse o papel das comunidades de leitores, daqueles que sentiram dos mesmos poemas o mesmo apelo e o mesmo abalo.

Exemplifico: na adolescência, todos respirávamos a nossa vida amorosa com os poemas de Eugénio de Andrade. Talvez tenha sido por essa razão que Eugénio esteve nos últimos tempos (injustamente) menos presente nos nossos cânones e nas nossas memórias. Era um amor adolescente, de que nos considerávamos já longe, na nossa mal assumida maturidade.

Deu-me, assim, alegria que a Feira do Livro do Porto dedicasse este ano a sua tília institucional ao Eugénio e que a sua memória tivesse atravessado os jardins do Palácio de Cristal e a Biblioteca Almeida Garrett, perpassando por aqueles espaços.

Passei de fugida pela Feira do Livro do Porto, a convite da editora Exclamação, do meu amigo Nuno Gomes, na qual publiquei um livrinho com uma seleção destas crónicas, que semanalmente vos venho oferecendo aqui no DN.  Gostei de voltar a ver o Porto, o seu semblante de granito e rocha, a sua criativa vivacidade nas falas e a atenção amável e mesmo carinhosa com que recebem os estranhos, como nós.

Do Porto fomos a Amarante, cidade das mais belas de figura e das mais ricas de evocações literárias e artísticas do nosso país. Cumprido o cumprimento a Pascoaes (que continua com o recheio de São João de Gatão, adquirido pela Câmara, por exibir...), percorremos o museu Souza Cardoso, com o habitual deleite. À noite, a festa para que tínhamos sido convidados, em Vila Meã, era, disseram-nos, bem na frente de Manhufe.

Samarcanda e Trebizonda são, como saberão os meus poucos leitores, objetos permanentes do meu desejo. Mas Manhufe e Vila Meã (onde me disseram que se podia visitar a Casa da Quina da Sibila, obrigado Mónica Baldaque) abrem também clareiras de curiosidade e nostalgia no meu coração. E, porque já usei mais vezes a palavra “coração” do que é admitido nos nossos dias, encerro aqui esta crónica deambulante por entre as minhas saudades do Norte.

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