'Smart power' com características chinesas

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Em termos de hard power, a China tem, desde logo, o peso da sua economia e a relevância do seu mercado interno. Além disso, a competitividade de bens e serviços das empresas chinesas tem-lhes permitido projetar-se para além das suas fronteiras com grande eficácia, bem como aceder a matérias-primas e outros recursos internacionais. Sem preocupações de condicionar a sua cooperação económica ao respeito por direitos humanos, e trazendo financiamento alinhado, bancos e empresas chinesas penetraram também em quase todos os países em desenvolvimento.

Em termos militares, as suas forças armadas cresceram muito e têm hoje equipamento militar sofisticado, em linha com a crescente capacidade tecnológica do país. A sua marinha de guerra é hoje um poder incontornável no Pacífico Ocidental e em breve deverá projetar a sua presença em outras áreas do Pacífico e do Índico.

Em termos de soft power, a China tem, desde logo, a influência da sua civilização multi-milenar - que integra algumas das mais importantes escolas de pensamento que buscam uma harmonia entre o homem e a natureza, alguma da arte mais sofisticada jamais produzida, uma grande estima pela escrita, literatura e registos históricos, a medicina tradicional chinesa, escolas gastronómicas refinadas; a projeção internacional da sua cultura, admirada e estudada em várias latitudes, é uma faceta relevantíssima. Por outro lado, o facto de ter sido durante muito tempo um país em desenvolvimento, membro inicial do Movimento dos [Países] Não Alinhados, com uma postura não confrontacionista e sem um passado de colonialismo ou de imperialismo, permitiu historicamente à China ter relações estreitas com muitos países em desenvolvimento. Uma diplomacia eficiente e proativa e a relevância da diáspora chinesa - em especial no sudeste asiático - são outras vertentes do soft power chinês. Como o são uma extraordinária capacidade de inovação e de progressão tecnológica, típica da China dos últimos 20 anos.

Em 2007 [o ex-presidente chinês] Hu Jintao dizia ao 17.º Congresso do PCC: "se o seu hard power está a aumentar, é provável que você assuste os seus vizinhos, mas se aumentar o seu soft power ao mesmo tempo, é menos provável que façam alianças contra si. Nesse sentido, o objetivo é uma política de smart power".

Quando os EUA adotaram uma estratégia de smart power, já eram uma superpotência em termos de hard power e com enorme soft power à escala planetária. Ora, o mesmo não sucede com a China. A geografia deu aos EUA fronteiras marítimas desimpedidas e sem rivais em dois oceanos; e quando intervieram em vários países nas Caraíbas foi numa era em que não havia opinião pública mundial, nem câmaras de televisão a dar testemunho do seu exercício de hard power. Já no caso da China, a geografia não lhe foi tão simpática; na sua fronteira marítima estão vários países rivais ou aliados de rivais. A projeção da sua marinha de guerra e a forma e os fundamentos para reclamar todo o Mar do Sul da China assustaram vários dos países vizinhos e provocaram uma diminuição do soft power da China. A estratégia dos EUA de contenção da China por meios militares vem colocar o foco no hard power; a reação do governo chinês, nacionalista e com baixa contenção estratégica, cataliza a erosão do soft power da China.


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