Setúbal: falar a sério sobre modelos de gestão no sector da água
Um artigo de opinião publicado neste jornal por um professor catedrático de engenharia de sistemas e também consultor privado, faz a apologia da gestão privada dos sistemas de abastecimento de água e de saneamento, citando o exemplo de Setúbal.
Recorrendo ao Relatório Anual da Qualidade dos Serviços de Águas e Resíduos em Portugal – RASARP 2024, referente a dados de 2023, “é possível comparar objetivamente os indicadores sob os dois modelos de gestão” [público e privado], diz.
O autor sugere assim que, um ano – que é o ano de transição de modelo de gestão – seria suficiente para inverter a tendência de crescimento das perdas de água e da água não faturada, verificada no sistema de Setúbal desde 2017 (segundo os dados públicos da então concessionária Águas do Sado). O último ano da gestão privada registou perdas anuais de água superiores a 3 milhões de metros cúbicos (3 030 956 m3) em 2022, ou seja 27,3% de água não faturada, próxima dos 28,4% atribuídos como média nas alegadamente mal geridas entidades públicas!
No artigo é também referido os 100% de respostas a reclamações à ERSAR, como um indicador de excelência da gestão privada. É verdade que o nosso valor é mais baixo, porque assumimos o reporte verdadeiro das situações, assente na real melhoria da qualidade de serviço ao munícipe, e não uma maquilhagem dos números, porque isso, sim, era o que acontecia na gestão privada que considerava como resposta ao munícipe a notificação automática da receção da reclamação… a resposta à reclamação e resolução do problema era posterior e já não entrava nesta contabilização. Na gestão pública seguimos o critério da verdade e para isso tivemos mesmo de mudar os procedimentos internos.
Mas não nos fiquemos por estes números. Com a reativação dos SMS, os munícipes verificaram uma significativa redução da fatura da água e do saneamento, seja através do tarifário geral, seja através da tarifa social automática, introduzida em 2023 e de que beneficiaram 8940 famílias. O consumidor doméstico médio, com um consumo mensal de 10 m3 pagou em 2022 à concessionária 19,71 euros. Ora em 2023, o mesmo munícipe tarifado sob a tarifa geral doméstica pagou pelo mesmo consumo 15,77 euros (menos 20%) e o munícipe doméstico que beneficiou da tarifa social pagou 7,90 euros (menos 40%) do que pagou à gestora privada um ano antes.
Apesar destas decisões da gestão pública, o nível de resultados alcançados permitiu o autofinanciamento da despesa de investimento realizada, tendo sido despendido em obras na atividade de abastecimento de água 2,3 milhões de euros – nomeadamente em novas captações de água, condutas, reservatórios, estações elevatórias e redes de água – e na atividade de saneamento 533,4 milhares de euros. Aliás, até ao final de 2025 o investimento em obras de água e saneamento deverá ultrapassar os 10 milhões de euros, e isso mostra bem o nosso compromisso com os munícipes e o serviço que queremos prestar.
É preciso acrescentar que a herança foi, desta feita, péssima em vários aspetos: uma rede de água e de saneamento muito envelhecida por falta de investimento na manutenção das redes; condições precárias de trabalho, nalguns casos com risco para a saúde dos trabalhadores; défice de trabalhadores, de equipamentos e de viaturas para o desenvolvimento das tarefas com qualidade satisfatória.
O relatório da ERSAR não é, aliás, alheio à questão do público versus privado: “nos últimos anos, a gestão concessionada está estagnada, verificando-se até algum recuo”. É que, neste setor, o regresso à gestão pública foi operado nos municípios de Mafra em 2022, Setúbal em 2023, Batalha e Paredes em 2024; em circunstâncias muito distintas e com executivos municipais de distintas cores políticas, o que quer dizer muito! Quer dizer, no mínimo, que o trabalho desenvolvido pelas concessões privadas deixa muitas dúvidas sobre a qualidade do serviço prestado.
Contra (quase) tudo e (quase) todos, superámos essa fase mais difícil de transição e os próximos exercícios a reportar pela ERSAR deverão mostrar que estamos no caminho correto.
Agora, é altura de falar a sério sobre modelos gestão da água!
Presidente do Conselho de Administração dos Serviços Municipalizados de Setúbal