Sete anos de "Tchau, querida!"
Fez por estes dias sete anos de idade um dos telefonemas mais famosos da atribulada História recente do Brasil - o célebre "Tchau, querida".
Naquele março de 2016, Sergio Moro, juiz da Operação Lava-Jato, avançava cada vez mais sobre Lula da Silva.
A presidente Dilma Rousseff, então alvo de impeachment, e demais cúpula do governo decidiram, em resposta, atribuir a Lula um cargo, o de ministro da Casa Civil, espécie de primeiro-ministro na política local, que blindasse o então ex-presidente das investigações do juiz de primeira instância.
Moro, que mantinha Lula sob escuta, decidiu então divulgar nos media o áudio de uma conversa entre o seu alvo e Dilma, supostamente sobre esse plano.
Dilma: "Alô". Lula: "Alô". Dilma: "Lula, deixa eu te falar uma coisa...". Lula: "Fala, querida". Dilma: "Seguinte, eu tô mandando o Bessias junto com o papel, mas só usa em caso de necessidade, é o termo de posse, tá?". Lula: "Tá bom, tá bom". Dilma: "Só isso, você espera aí que ele tá indo aí". Lula: "Tá bom, eu tou aqui, fico aguardando". Dilma: "Tchau". Lula: "Tchau, querida".
Como pela primeira vez na História do Brasil o telefonema de uma presidente da República era divulgado, o áudio causou enorme comoção na opinião pública. Uns acusavam Lula e Dilma de terem sido flagrados a cometer "crime de obstrução da Justiça", outros apontavam o dedo a Moro pelo "flagrante e criminoso abuso de poder".
Moro, confrontado pelo Supremo Tribunal Federal com o áudio, admitiu dias depois que a escuta e a divulgação eram ilegais e desculpou-se. Mas o efeito político já havia sido gerado: o país virou-se contra Lula e Dilma, ele não assumiu o cargo na Casa Civil, ficando à mercê da Lava-Jato, e ela, que tinha até então o controle sobre o impeachment, acabou derrubada. "Tchau, querida" tornou-se a palavra de ordem dos seus opositores no Congresso e nas ruas.
Foi há sete anos.
De então para cá, Lula, à frente das sondagens para as Presidenciais de 2018, acabaria detido por ordem de Moro meses antes do sufrágio, abrindo o caminho à vitória de Jair Bolsonaro, de quem o juiz se tornaria "superministro". Solto, por causa de erros e parcialidades de Moro detetados nos tribunais superiores, concorreu ao Planalto em 2022, bateu Bolsonaro e é hoje, outra vez, presidente da República.
Moro saiu do governo a acusar Bolsonaro de interferir no comando da polícia para salvar a própria pele e a dos filhos, tornou-se pré-candidato presidencial por um partido, trocou-o por um partido maior a meio da campanha, percebeu, só depois, que esse partido maior não o queria candidato ao Planalto, mas apenas ao Congresso, tentou concorrer por São Paulo, adulterando a morada, foi descoberto e acabou eleito senador pelo Paraná, onde, de facto, mora.
Dilma terminou a longa travessia no deserto exatos sete anos após o telefonema do "Tchau, querida!": foi eleita na semana passada presidente do Banco dos BRIC, o bloco económico formado pelos emergentes Brasil, Rússia, Índia, China e África do sul, e vai morar em Xangai.
E o misterioso Bessias? Jorge Messias, que teve o nome adulterado por Dilma no telefonema por culpa de uma forte gripe, era em 2016 o subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil. Hoje, ocupa o cargo de Advogado-Geral da União e é um dos 37 ministros com assento no Conselho de Ministros de Lula.
Como se diz no Brasil, a Terra não gira, capota.
Jornalista, correspondente em São Paulo