Será a tropa uma boa medida para jovens que cometem pequenos delitos?

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Muita tinta tem corrido nos últimos dias a respeito da possibilidade de as Forças Armadas poderem representar uma escola de vida em contextos formativos, eventualmente adequada para jovens que tenham cometido pequenos delitos. Mas será esta uma boa ideia?

O ministro da Defesa, Nuno Melo, já veio negar que tenha defendido essa hipótese, mas a verdade é que nos últimos dias foram conhecidas diversas reações críticas por parte das Forças Armadas, que alegam que esta possibilidade seria um perfeito disparate, equiparando a tropa a um castigo que se recebe como consequência da exibição de um comportamento desajustado.

Para além deste argumento, acima de tudo centrado naquela que é a missão, os valores e os objetivos das Forças Armadas, considero importante pensar-se também no outro lado da moeda. Ou seja, do que precisa um jovem que comete atos delinquentes? Em que medida poderia a tropa auxiliar o seu processo de reeducação para o direito e ressocialização?

Um jovem que comete delitos, ainda que de gravidade considerada menor, pode revelar dificuldades a vários níveis, podendo estas centrar-se, sobretudo, no controlo das emoções (que se manifestam de uma forma desproporcionada nas relações interpessoais ou em resposta a stressores psicossociais) ou dos comportamentos (que violam os direitos dos outros e as normas sociais). Estas dificuldades podem surgir de mãos dadas com a baixa tolerância à frustração, a irritabilidade, a impulsividade e a incapacidade em resolver problemas de forma mais assertiva. De um ponto de vista mais cognitivo, observam-se muitas vezes crenças e valores associados à necessidade de controlo e de domínio da situação.

Muitos destes jovens exibiram mesmo, em idade mais precoce (portanto, na infância), um comportamento desafiante e oposicionista, que se caracteriza pela dificuldade em chegar a compromissos, desafio das regras e ordens e a não-aceitação da responsabilidade pelos seus comportamentos.

De forma adicional, sabemos também que alguns jovens que cometem comportamentos que podem ser tipificados como crime apresentam alguns traços de psicopatia, como sejam a superficialidade afetiva, a ausência de sentimentos de culpa ou de remorsos, a impulsividade ou o défice empático.

Naturalmente que as medidas tutelares educativas devem ser proporcionais à gravidade do facto e à necessidade de educação do menor (conforme consta da lei vigente), pelo que as medidas educativas de internamento são, por norma, equacionadas nas situações mais graves.

No entanto, também as demais situações - aquelas em que o delito cometido é considerado de menor gravidade - requerem uma intervenção especializada, articulando diferentes áreas do saber, numa perspetiva sistémica, envolvendo a família e os demais contextos onde o jovem está inserido. Falamos, portanto, de intervenções estruturadas e definidas em função das características específicas de cada jovem e situação, e não de uma medida universal “one fits all”. Os jovens aqui em causa precisam de um olhar individualizado e de uma equipa terapêutica em seu redor, e não de uma recruta com acesso a armas de fogo onde a ordem é palavra de ordem.

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