Ser migrante

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As imagens e os gritos de apelo que chegam através de toda a Imprensa mundial é arrepiante face à condição de Ser Migrante. Qualquer imagem, relatos de dor e angústia de todos os homens, mulheres e crianças que não escolhem sofrer, nem ser Migrante tem chocado o mundo. Como chocaram e chocam as tragédias das guerras civis, as atrocidades cometidas sobre seres humanos indefesos e todos os horrores porque passou e tem passado a Humanidade. O que fazer para mudar o actual destino do mundo?

A pergunta mesmo que não formulada por qualquer homem ou mulher que habite e viva o quotidiano contemporâneo do mundo, decerto que está no coração e na alma de quem não é indiferente a quem sofre. Nascemos, crescemos, reproduzimos ou não e morremos. Mas morrer perante a indiferença dói e torna irrespirável o ar que respiramos. Disse-o há muitos anos num programa de televisão em que participei como convidado entre outros convidados, que ninguém escolhe onde nasce, enquanto ser em gestação não determina qual a epiderme que terá ou como viverá quando tomar contacto com o mundo. Nascer é um acto de amor e de esperança.

O que assistimos e temos visto e lido,contraria em absoluto toda a noção do que deveria ser a Humanidade. E este meu olhar assumidamente pessoal é extensível a outras tragédias quotidianas que em diferentes lugares do globo marcam os nossos dias. Em declarações recentes, o Director-Geral da Organização Internacional das Migrações William Lacy Swing disse algo muito pragmático e muito profundo e que cito neste artigo intitulado SER MIGRANTE: “É hora de fazer mais do que contar o número de mortos. É hora de envolver o mundo para deter esta violência contra migrantes desesperados.”. É uma verdade inquestionável.

O que é preciso fazer para estancar tanta dor? O que é preciso fazer para alertar consciências e parar com esta tragédia e outras que lemos, vemos e ouvimos? É urgente repensar o estado do mundo. É urgente agir em prol da Condição Humana e em prol de quem sofre seja ele quem fôr e onde estiver. O que importa é construir caminhos que parem o sofrimento e que a escolha não seja o mar como tragédia e fim de vidas de seres humanos impotentes. Que a escolha não seja a rua para dormir e a burocracia travar um direito inscrito no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos.

Com as tragédias de Outubro de 2013 quando mais de 400 migrantes morreram em dois naufrágios perto da ilha italiana de Lampedusa o Papa Francisco colocou o dedo na ferida e alertou o mundo do que se estava a passar. Dados e fontes diversas consultadas e as próprias pesquisas da OIM indicam que a Europa é o destino mais perigoso do mundo para os migrantes “irregulares”, com o Mediterrâneo custando a vida de mais de 2.300 pessoas nesse ano.

Em todo o mundo, mais de 5.000 cidadãos migrantes (homens, mulheres e crianças) perderam as suas vidas em 2014. Ainda de acordo com a Organização Internacional das Migrações aproximadamente 3.270 migrantes são conhecidos por terem morrido nos primeiros 8 meses de 2015. Muitos mais estão desaparecidos. Como disse o Director-Geral da OIM “já não basta contar os números. É preciso agir no plano diplomático, político e humanitário. É preciso repensar modelos”, fim de citação.

É preciso repensar modos de agir perante tantas fatalidades que a Humanidade enfrenta. É preciso mudar mentalidades e aumentar uma visão Humanista centrada na condição humana específica de cada Homem, Mulher e Criança que habita o globo. Ao escrever este artigo recuei a 2008 e lembrei-me de uma Conferência Internacional que decorreu no Brasil entre 13 a 17 de Outubro de 2008, no Estado do Paraná, sobre o tema “SER MIGRANTE: LUGAR, IDENTIDADE TERRITORIAL e REDES SOCIAIS”.

A Comunicação proferida pelos investigadores Priscilla Marchiori e Eduardo Marandola Jr vai de encontro a este artigo e explica a condição de SER MIGRANTE. Eles referiram e com propriedade o afirmaram que “os movimentos migratórios envolvem uma problemática comum: a adaptação do migrante ao novo espaço. Essa adaptação depende em grande parte da relação migrante-local de destino. Tendo sido desligado dos seus lugares (território), o migrante sente-se perdido, sofrendo um forte impacto em sua identidade territorial e segurança existencial. No sentido de recuperar seu bem-estar e o sentimento de pertencimento, o migrante pode buscar a construção de novos lugares ou procura manter os vínculos com sua terra natal.

No primeiro caso, os migrantes constroem lugares próprios que os remetem a uma rede social de seu lugar de origem. Personalizar os lugares é uma resposta ao choque identitário que o migrante sofre em relação à nova realidade. Esse choque dificulta o estabelecimento de uma relação entre o migrante e o local de destino, dificultando o envolvimento do migrante com a realidade de acolhimento. As transformações que ocorreram na modernidade em termos de transporte e comunicação impulsionaram um aumento significativo da mobilidade espacial pelas facilidades que trouxeram para o deslocamento das pessoas e comunicação entre elas, em nível global.

Nesse sentido, as migrações tornaram-se mais frequentes, promovendo um fluxo de pessoas elevado ligando áreas anteriormente desconexas (local de origem – local de destino). Os efeitos das conexões estabelecidas entre essas áreas e os efeitos da mobilidade espacial sobre os migrantes tornam-se questões cujo entendimento é necessário para compreensão de problemáticas dos movimentos migratórios como a adaptação e a inserção do migrante ao local de destino.

Essas problemáticas estão amplamente ligadas à relação dos migrantes”. Decorridos sete anos sobre este extraordinário e simbólico trabalho desenvolvido por estes dois Investigadores brasileiros eles afirmam e bem que “o movimento migratório implica, em termos existenciais, sair do seu lugar, num processo de desterritorialização, deixando os lugares de infância, juventude ou idade adulta, responsáveis pela sua formação enquanto pessoa e sob os quais está edificada sua identidade.”

O rompimento da forte ligação existente entre o ser e o lugar causa um abalo na segurança existencial e identidade territorial do migrante, tornando-o suscetível à angústia e ansiedade. É este estado que impõe a necessidade de enraizar-se no novo lugar. A segurança existencial e a identidade do sujeito dependem de que ele estabeleça e cultive laços com o lugar, envolvendo-se, portanto, com o mesmo (MARANDOLA JR., 2008). Nesse sentido, o migrante sente a necessidade de fixar-se para que possa alcançar uma sensação de bem-estar aliviando o incómodo sentimento de incerteza e instabilidade que perdura e se reforça com a ausência do lugar. No entanto, a fixação do migrante no local de destino tem algumas restrições ou condições em termos de identificação sociocultural e socioespacial.” A realidade tem que mudar face ao Direito de Ser Migrante. Legislar sem condicionar e sem preconceito.

Gabriel Baguet Jr., jornalista/escritor

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