Ser cristão sírio é viver com medo
Há dias, numa ligação online com alguns cortes, ouvi o arcebispo de Homs queixar-se de que muitas famílias cristãs sírias continuam a tentar deixar o país. Antes, durante a guerra civil, os jovens procuravam escapar ao recrutamento pelo regime. Agora que a dinastia Al-Assad caiu, sublinhou D. Jacques Mourad, as famílias receiam a violência dos grupos jihadistas, muitos deles estrangeiros, que trouxeram uma variante do islão que é alheia à tradição da Síria. Trata-se de um país de maioria árabe muçulmana sunita, mas com numerosas comunidades xiitas, também do ramo alauita, drusas e ainda cristãs de várias confissões, além de curdos.
A vontade de emigrar dos cristãos aumentou certamente depois do ataque de domingo em Damasco contra a Igreja do Profeta Elias, ortodoxa grega, que matou mais de 20 pessoas. O atacante disparou sobre os crentes e depois fez-se explodir. Seria um terrorista do Estado Islâmico. As novas autoridades, lideradas por Ahmed al-Sharah, disseram logo estar a investigar o atentado, e reafirmaram o compromisso com a defesa da Síria plurirreligiosa.
O presidente interino, que chegou a estar ligado à Al-Qaeda (rival do Estado Islâmico), tem-se esforçado por transmitir para o mundo a ideia de que não é um extremista religioso. E já obteve alguns ganhos diplomáticos junto dos países europeus e até dos Estados Unidos, pois Donald Trump encontrou-se com Al-Sharah durante uma recente visita à Arábia Saudita, e prometeu levantar as sanções decretadas durante a era de Bashar al-Assad, hoje refugiado na Rússia.
Tem havido episódios de violência contra minorias religiosas desde que em dezembro de 2024 mudou o regime. Primeiro foram os alauitas o alvo, a comunidade a que pertencia Hafez Al-Assad e o seu filho e sucessor Bashar. Depois foram os drusos a ter de pegar em armas contra os jihadistas. Agora, foi a vez dos cristãos serem visados pelos extremistas.
D. Jacques Mourad, quando a guerra civil síria terminou, expressou algum otimismo. É um bispo corajoso, que defende os crentes. Ao aceitar dar o seu testemunho a um grupo de jornalistas estrangeiros, através da tal conversa online (organizada pela Fundação A Igreja que Sofre), mostrou uma vez mais não recear denunciar o perigo que a comunidade cristã corre. Antes da guerra civil começar em 2011, os cristãos seriam 10% da população. Hoje fala-se de serem 2%.
O desaparecimento dos cristãos árabes é uma tragédia que dura há décadas. Durante a era otomana, e depois na época das ditaduras laicas, tinham uma existência quase normal. Mas os tempos recentes têm sido terríveis, basta pensar como no Iraque, depois da queda de Saddam Hussein, com a ditadura a dar lugar a uma projeto de democracia marcado pelos ódios religiosos, os cristãos foram desaparecendo. Ao ponto de o papa Francisco em 2021 ter feito uma visita a Bagdad e a outras cidades a reconhecer que era preciso muita coragem para não desistirem do seu país. É de relembrar que foi no Médio Oriente que surgiram as primeiras comunidades cristãs.
No Líbano, ainda existe uma forte presença cristã, talvez um terço da população. E no Egito, o gigante demográfico árabe, serão 10% dos 110 milhões de habitantes. Mas em geral a tentação da emigração dos cristãos árabes é grande, impulsionada por um aumento da violência religiosa, por uma relação com o Ocidente que faz muitos falarem línguas estrangeiras, e por haver também certa receptividade na Europa aos refugiados cristãos.
O arcebispo católico de Homs, que em 2015 chegou a ser sequestrado por jihadistas, vai continuar a defender os cristãos sírios. Mas espera que o mundo não ignore o seu sofrimento e, no mínimo, exija a Al-Sharah que os proteja a sério.
Diretor adjunto do Diário de Notícias