Sente-se inseguro? Então, agarre-se a estas estatísticas para se proteger
Quando procurava informação sobre a criminalidade na Mouraria, de que tanto se tem falado nos últimos dias, deparei com uma notícia do DN intitulada “Roubos, agressões, droga. Moradores da Mouraria vivem com medo".
Cliquei e foi com algum espanto que constatei que era datada de fevereiro de 2020, governava o Partido Socialista (PS) e o ministro da Administração Interna era Eduardo Cabrita, ao qual os residentes entregaram uma petição a pedir mais segurança no bairro, relatando episódios de violência, prostituição e venda e consumo de droga.
Na altura, o presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, Miguel Coelho, eleito pelo PS, apoiou a iniciativa.
Quatro anos depois, é também este autarca, no cargo desde 2013, que tem estado na linha da frente a exigir mais policiamento e mais segurança para os seus fregueses, dando voz às queixas e aos medos dos moradores.
A coincidência das descrições entre os alertas de 2020 e os de 2024 mostra que, nestes quatro anos, nada mudou na perceção de segurança destas pessoas.
Segundo os peticionários de 2020 o bairro era caracterizado por "roubos, agressões, prostituição, venda e consumo de droga, ameaças verbais, casas assaltadas e muito medo".
Em Julho de 2024, Miguel Coelho detalha mais uma vez "situações insuportáveis", que vão desde "assaltos com armas brancas, consumo de droga em todo o lado" a "ocupações selvagens de vão de escada, de prédios, falsos sem-abrigo que estão apenas ali para comercializar droga ou para melhor observarem as habitações para fazerem assaltos".
No momento em que escrevo este texto, pelas 17h de dia 25 de julho, está uma jornalista do DN no bairro e é esta a síntese que me envia: “Estive numa loja que já foi assaltada quatro vezes. As pessoas veem toxicodependentes a injetar-se ao pé da creche. As senhoras mais idosas têm medo de falar, falam por meias palavras. A polícia não aparece. Uma das idosas chamou a polícia por causa de uma situação de pancadaria à porta dela e disseram-lhe para se manter fechada porque não tinham ninguém para cá vir”.
Em 2019, no âmbito de um inquérito à população sobre “O sentimento de insegurança e a vitimação em Lisboa”, promovido pela Câmara Municipal e apresentado em sessão pública em setembro de 2022, destacou a freguesia de Santa Maria Maior como aquela onde a maior percentagem de indivíduos se sentem inseguros (35,3%) na cidade.
A verdade é que, para estas pessoas, o sentimento de insegurança é uma realidade. Têm medo, não se sentem capazes de viver com a liberdade a que têm direito.
É por isso que chamo atenção para as reações que chegaram das autoridades, neste caso da PSP, que, certamente bem intencionada, puxou das estatísticas para tentar serenar os moradores. Segundo os dados oficiais, em Santa Maria Maior “tanto a criminalidade geral como a criminalidade violenta e grave diminuíram, comparando com o período homólogo do ano transato”.
Apesar de Portugal ainda continuar no top ten dos países mais seguros do mundo, caiu de 3.º para o 7.º lugar entre 2020 e 2023. Qualquer sentimento ou perceção de insegurança deve ser travado à nascença, nunca esquecendo o quanto alimentam os populistas de direita.
Na minha pesquisa encontrei também um artigo do DN mais antigo, de maio de 2009, numa altura em que guerras de gangues juvenis faziam vítimas em bairros de Loures, com agressões violentas regulares.
Nessa semana, no interior da escola Bartolomeu Dias, em Sacavém, um aluno de 15 anos esfaqueou outro. O então diretor nacional da PSP, um ex-militar do Exército, Francisco Oliveira Pereira decidiu ir a essa escola e falar com os alunos, olhos nos olhos, respondendo a todas as perguntas. “Numa escola onde são raros os que não pensem mal da polícia, que “só entra no bairro para bater” e “não vem quando precisamos de ajuda”, este encontro marcou. No fim houve aplausos. Foi uma lição. Ninguém saiu como entrou”, narrei no texto.
Inspirada aqui por este antigo chefe da polícia, deixo um desafio ao atual diretor nacional, Luís Carrilho: passe pela Mouraria, fale com as pessoas, procurem soluções em conjunto com a autarquia. E deixe as estatísticas no gabinete.