Semanologia. Há limites para a ambição?
A ambição, por si só, não é nem positiva nem negativa. Depende de como a usamos.
O almirante Henrique Gouveia e Melo diz ter a ambição de servir os Portugueses.
Em 2021, passaria de anónimo a estrela. O que lhe deu este estatuto? Uma boa liderança do processo de vacinação contra o Covid 19, que, até à sua tomada de posse, estava a correr mal. Foi só a boa liderança? Não. O militar que se seguiu no posto, o coronel Carlos Penha Gonçalves, é reconhecido pela sua competência no desempenho das mesmas funções. Todavia, não tem, como o seu antecessor, a pulsão dos media. Gouveia e Melo, não fosse a pandemia, era, provavelmente, mais um bom militar do seu ramo, a aproximar-se da reforma. Sem passado de participação política, com a maior parte da carreira militar dedicada aos submarinos, teria as medalhas habituais por serviços prestados nas suas funções e reconhecimento entre pares. Mas não aconteceu assim. O mediatismo da sua presença, exponenciado pelo modo como a comunicação social projetou esta figura fardada, homem alto e espadaúdo, de olhos azuis e, como ele diz, com "voz de comando", deu-lhe uma segunda e inesperada vida. O que se seguiu é uma mistura de Big Brother com House of Cards. Este homem, antes não habituado às luzes da ribalta, mas, entretanto, seduzido pelas mesmas, começou a comportar-se como sendo uma instância autónoma de poder, como uma autoridade na sociedade portuguesa. Ao contrário de Salgueiro Maia que depois de cumprir a sua missão no 25 de Abril se retirou discretamente, Gouveia e Melo foi ao Coliseu dos Recreios receber o Globo de Ouro de Mérito e Excelência da SIC. E, agora, enquanto Chefe do Estado-Maior da Armada, convidou um enxame de câmaras e microfones para o acompanharem na reprimenda que deu, em direto, a bordo do navio "Mondego", aos militares que não cumpriram a ordem de embarque para acompanhamento de um navio russo. Pior que isso, revelou, publicamente, a missão da patrulha. A cena que se passou a seguir foi penosa. De dedo em riste, expôs os militares presumivelmente responsáveis por um ato de desobediência, ao enxovalho de uma reprimenda à vista de todos. Como foi dito, a desobediência é dos atos mais graves numa instituição militar. Todavia, pela delicadeza e complexidade associada, o que se recomenda é que, por um lado, seja mantida a presunção de inocência e por outro, de forma discreta e juridicamente adequada, se averigue e proceda para punir quem deve ser punido - se for caso disso. Que haja legítima curiosidade da opinião pública sobre este caso, percebe-se. Que o comandante da Armada trate deste assunto na praça pública, é lamentável. Os concorrentes do Big Brother, habitualmente, animam festas de discotecas e alguns eventos que pagam a presença dos, momentaneamente, "famosos". Neste caso, passou-se o direto para o convés de uma embarcação da Marinha. Todavia, o racional em presença -- aproveitar a onda -- não diferiu. Diferente foi a gravidade da situação e as suas implicações, bem mais fortes que os diretos dos concorrentes do programa televisivo original, algures num estúdio/casa, na Venda do Pinheiro.
E se pensarmos na série passada na Casa Branca -- House of Cards -- podemos imaginar as conspirações, as razões dos poderosos na sombra que, eventualmente, querem alimentar a ambição de Gouveia e Melo de ser Presidente da República. Numa Europa a virar para a sedução autoritária, homens com o seu perfil fascinam parte do eleitorado. Mas sabe-se o que a História nos ensina sobre figuras que se acham providenciais e os resultados da sua ação.
Gouveia e Melo recebeu na Marinha, a Medalha de Ouro de Comportamento Exemplar. Na arena mediática e no desempenho da sua função atual na Armada, o seu comportamento, infelizmente, soa a metais menos nobres.