Sem teto, entre ruínas

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Esta citação de Raúl Brandão, que deu título a um romance de Augusto Abelaira, poderia servir de epígrafe à atual situação da Europa: perdido o teto do apoio militar americano, resta-nos viver no meio desta gigantesca ruína, que é a cultura humanista ou alta cultura, num mundo de crescente dominação digital e artificial.

A incultura dos novos mestres que governam o mundo, hostis ao humanismo e à ciência, deve servir-nos de aviso. A Idade das Trevas, apoiada na mais elevada tecnologia do domínio das consciências, traz-nos esta aliança de um Musk, capaz de passear no espaço sideral, com um Robert Kennedy, inimigo das vacinas. O futuro parece ser de bruxos medievais a controlar as mais apuradas tecnologias de que a Humanidade foi capaz.

Será a Europa transformada num museu, onde o que foi o respirar vivo da cultura será musealizado, para evocação de um passado já morto? Por muitas distopias que nos atravessem o espírito, nós não somos simplesmente capazes de prever o nosso futuro. E ainda bem.

A Europa poderia ter um papel dissuasor e regulador neste processo histórico que se adivinha, assim recuperasse a sua força e a sua autonomia. Sim, quantas vezes as tentativas de uma autonomia estratégica europeia vieram chocar numa intransigente recusa anglo-americana, preocupada em manter o controlo de Washington sobre toda a construção europeia? Os que vêm agora reclamar a nossa contribuição deveriam lembrar-se dos obstáculos que puseram à nossa afirmação.

Apesar da vacuidade estratégica que se deixa aperceber numa Europa abandonada pela tutela americana, não faltam recursos e massa crítica aos europeus para sobreviverem neste novo mundo multipolar, que parece empenhado em reduzi-la à irrelevância. Nós dependemos de uma correta utilização dessa massa crítica e de uma cooperação virada para o reforço da Europa enquanto tal, e não dos Cavalos de Tróia que nela entraram ultimamente.

A História move-se por ondas imprevisíveis e não obedece a leis. Mas sabemos que é da extrema necessidade que nascem as grandes mudanças.

Agora que entramos numa época em que a própria mudança “não se muda já como soía”, na expressão certeira de Camões, é ao inesperado e à necessidade que erguemos as nossas esperanças.

E este pobre “cabo da Ásia” que é a Europa, na expressão de Valéry, poderá ter um novo papel a desempenhar.

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