Segurança. Percepções, realidade e comunicação

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Percepções

Conheci bem a Rua do Benformoso nos meus tempos de adolescente. A minha mãe, uma humilde costureira, trabalhava numa alfaitaria, no final daquela rua que desemboca no Martim Moniz. Era então uma rua tipicamente, portuguesa, onde abundava o pequeno comércio, as mercearias de bairro, o talho, as retrosarias.

Hoje a realidade sociológica daquela rua mudou. É uma artéria totalmente entregue a imigrantes. Homens de várias origens, sobretudo do sub- continente indiano.

Há dias resolvi voltar à Rua do Benformoso. Por duas vezes percorri a artéria já o sol se tinha escondido.

Confesso que neste regresso tive uma percepção de insegurança. Nada mais que percepção. Não senti que pudesse  ser assaltado ou coisa que o valha. Mas percorrer a rua, com ambos os lados preenchidos de cidadãos de origem indiana  deixou-me algum desconforto.

Não há mulheres. Apenas homens , de raça indiana, parados, sem que se perceba muito bem como ocupam o seu quotidiano. Eu era o único caucasiano, branco, naquela noite, na Rua do Benformoso.

Eu já conheço bem esta realidade cultural. Fui três vezes à Índia. Percepcionei o caos humano e do trânsito em Nova Deli, vi cadáveres por recolher nos passeios das ruas de Calcutá, dormi nos house  boats (barcos-residências) que o colonialismo inglês deixou ficar nos lagos de Srinagar e atravessei os campos de chá de Darjeeling.

A Índia não é novidade para mim e, apesar de tudo, percepcionei medo na Rua do Benformoso.

Definitivamente, deixar concentrar uma única cultura migrante num determinado espaço não é solução para garantir uma boa percepção de segurança.

Realidade

Na madrugada do dia 19 para o dia 20 de Dezembro a pastelaria Mexicana, situada na Praça de Londres, foi assaltada.

Constatei-o quando, cerca das 7.00 horas da manhã, comprava os jornais diários. O proprietário do quiosque onde os adquiri, em frente à pastelaria, informou-me de que, também o seu espaço, tinha sido assaltado. “Não roubaram nada porque eu não vendo raspadinhas, nem tabaco”, disse-me.

E acrescentou: “Esta zona está a ficar perigosa!”

Estes são dois flashes  de uma realidade de insegurança. Nos últimos dois anos na Rua do Benformoso houve 52 esfaqueamentos e no último mês o roubo e o assassinato  de uma senhora. Há no Largo do Intendente sinais de tráfico de droga a céu aberto. Vão lá e vejam!

Autarcas socialistas, como Miguel Coelho, dão conta do aumento da criminalidade na zona do Martim Moniz. Portanto, ali, são necessárias acções de segurança por parte da Polícia. Mas não, apenas, rusgas. Não seria boa ideia instalar uma esquadra móvel da PSP na zona? E colocar câmaras de vigilância? Ou, ainda, percorrer a Rua do Benformoso, diariamente, com viaturas da PSP num exercício de proximidade, já que a romântica figura do polícia de giro, imortalizada por Charlot, não existe mais. E os guardas-nocturnos, infelizmente, também não.

Comunicação

Quando tomou posse, este Governo era discreto. Tomava medidas e os portugueses iam constatando a eficácia da sua acção. Não havia grandes anúncios mediáticos. A notícia surgia depois, cimentada na solidez da realidade. O que era anunciado já estava concluído e não havia possibilidade de ser classificado como propaganda. 

Depois o Governo enveredou pelos “números mediáticos”. Isso começou a ser uma realidade, sobretudo na Administração Interna. Sistemáticas preocupações de propaganda nas questões de segurança.

Assim foi, igualmente, com a recente rusga da Rua do Benformoso, que teve uma informação prévia à comunicação social. O Governo fez dela um “número mediático”. Quando a rusga começou os jornalistas já lá estavam. Para quê este exagero mediático, acreditando que o Executivo não terá em agenda uma competição com o Chega? Não teria sido preferível uma comunicação posterior da PSP dando conta das razões e dos resultados da rusga?

Uma boa comunicação só é eficaz quando apoiada em dados sólidos da realidade do que se quer comunicar.

Antecipar um exercício de comunicação sem a solidez do facto a comunicar é “pôr o carro à frente dos bois”. É propaganda. E o Governo tem vindo a cair neste erro. Tem dado prioridade à propaganda em vez da comunicação séria. E, comunicar em exagero, com excesso de visibilidade, pode dar mau resultado. Foi, justamente, isso que aconteceu na rusga da Rua do Benformoso.

Escreve sem aplicação do novo  Acordo Ortográfico.

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