SEF acabou há um ano. O vazio permanece
"Hoje nós concretizamos uma reforma que há muito tínhamos anunciado, pela parte do Governo, que é a separação da parte policial daquilo que deve ser uma visão mais humanista e mais ao encontro daquilo que deve ser um bom serviço da administração pública aos cidadãos que nos procuram para viver, para trabalhar, para estudar”, afirmava a então ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, num comentário à entrada em vigor, a 29 de outubro de 2023, do diploma que reestruturou o sistema de fronteiras e extinguiu o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, faz amanhã um ano.
Dizia a governante, atualmente eurodeputada socialista, que o objetivo era que a nova Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) tivesse “um novo paradigma, que aposte naquilo que deve ser a digitalização, maior eficiência e mais recursos humanos”.
Tinham passado dois anos desde que a decisão fora tomada pelo executivo mas enquanto nas “funções policiais” houve organização e preparação para manter o controlo de fronteiras, transferido para a GNR e PSP, a funcionar, bem como toda a investigação criminal, com a PJ, a decorrer, todos sabemos que com a AIMA não foi assim.
Pode ser que a qualidade dos seus serviços venham a ser mais “humanistas” que os do SEF; ou mais “digitais” e “eficientes” - mas tal não se deve, certamente ao anterior Governo. Não foi por falta de alertas, mas como se percebe, nem depois de tudo o que aconteceu, com organizações criminosas a traficarem intensivamente imigrantes que deixaram em situação irregular no nosso país, 400 mil processos pendentes e centenas de requerentes a dormir em tendas na rua, parecem ter aprendido.
Uma das mais importantes medidas tomadas pelo Governo de Luís Montenegro foi o fim das manifestações de interesse, um regime que já tinha sido sinalizado pelas autoridades judiciais como foco de atração das redes de auxílio à imigração ilegal e que arrastaram para Portugal centenas de milhares de imigrantes explorados por estas redes criminosas.
O socialista António Vitorino, que dirigiu a Organização Internacional para as Migrações e preside atualmente ao Conselho Nacional para as Migrações e Asilo foi claro na entrevista DN-TSF, em julho passado. “Nunca fui um grande fã da manifestação de interesse. (…) A vantagem, vou dizer isto assim, de uma maneira um bocadinho eufemística, é um método indolor de regularização contínua. (...) Mas tem um reverso da medalha, que é o efeito de chamada. Neste mundo das migrações é muito frequente a palavra passar rapidamente dizendo onde é que há mais hipóteses e isso tem um efeito de atração. Manifestamente, o Estado português não estava preparado para responder a esse súbito efeito de chamada que ocorreu nos últimos nos últimos três anos”.
Ora, em sentido contrário pensam Eduardo Cabrita, ex-ministro da Administração Interna (responsável pela fim do SEF na sequência da gestão política falhada da morte de Ihor Homeniuk), segundo o qual o fim das manifestações de interesse “podem mesmo contribuir para o aumento da imigração ilegal no país”.
Também Ana Catarina Mendes veio nesta semana dizer que “o fim da manifestação de interesse não significa regular a imigração”, mas, pelo contrário, vai “entregar as pessoas às mãos das redes de imigração clandestina”.
São estes equívocos que mais alimentam os radicais populistas.
A cegueira ideológica e a teima em não ouvir quem percebe dos assuntos saem caros. São fraturantes da sociedade e essa divisão pode pagar-se a um preço muito alto à custa do próprio regime democrático.
Nota: Os dois mais graves incidentes de segurança interna deste ano - a fuga de cinco perigosos reclusos de Vale de Judeus e os tumultos da última semana, na sequência da morte de Odair Moniz - sucederam sem que tivesse sido ativado formalmente o Gabinete Coordenador de Segurança do Sistema de Segurança Interna (SSI). Houve contactos entre as forças e serviços de segurança, mas sem uma coordenação operacional ao mais alto nível que a resposta exigia, principalmente em relação à violência na Grande Lisboa. A PSP foi deixada sózinha . O SSI está equipado com uma sala de situação, precisamente para este género de casos, onde se sentam à mesma mesa todos os intervenientes operacionais e de comando. O facto de o SSI, a única estrutura de coordenação das polícias, estar sem dirigente (secretário-geral) há mais de dois meses, tem dado azo a muitas interpretações. Nenhuma delas favorece o primeiro-ministro, Luís Montenegro. Com o novo Procurador-Geral da República, Amadeu Guerra, já nomeado, cada dia a mais de vazio é um dia a mais de especulações. Numa área como a da Segurança é tudo o que não se quer.