Saúde e coragem política
Luís Montenegro afirmou ontem que hoje há “menos problemas” nasaúdedoqueháumano.Éuma declaração que pode ser vista por três ângulos diferentes. Politicamente, Luís Montenegro dá um voto de confiança à ministra Ana Paula Martins quando se aproxima um dos períodos mais críticos do ano, oVerão, para as Urgências hospi- talares, para o atendimento da emergên- cia médica, para o apoio às grávidas. En- fim, um sem número de serviços com ten- dência para descarrilar quando as escalas de médicos e enfermeiros estão mais de- pauperadas.
Se o ministério da Saúde é oVietname dos Governos, Luís Montenegro mostra alguma coragem em meter lá o pescoço nesta altura. Ou então sabe alguma coisa que nós não sabemos, o que é normal sen- do chefe do Governo.
Claro que beneficia do segundo ângulo: é uma frase difícil de comprovar. A Saúde está melhor em quê? Em atendimento? Em número de médicos? Na qualidade do serviço prestado? Haverá sempre um indi- cador a demonstrar uma subida (ainda que pequena) na qualidade global do SNS, mas isso não muda a perceção que os ci- dadãos têm sobre o assunto. E essa é a ter- ceira visão sobre a ambiciosa frase de Montenegro. Os cidadãos não precisam de ler as manchetes dos jornais nem ver as peças de abertura das TVs para saberem em primeira mão a realidade: o serviço a que têm direito no SNS – seja nos raros cuidados primários, seja nos tempos de espera por consultas ou cirurgias – dificil- mente corresponde à carga fiscal que aguentam. E a fuga para os serviços priva- dos, com a crescente oferta de planos de Saúde pelas seguradoras especializadas, está a rebentar também com esta possibi- lidade de atendimento, que agora tende a reservar-se para os serviços que faturem mais: rápidos, descomplicados e caros.
No que toca à Saúde, a AD está a fazer o mesmo que o PS, mas por razões diferentes. O PS não mudava a fundo o SNS por- que se sente orgulhoso de um sistema que, por muito competente que fosse há décadas, foi pensado para outro mundo. Ideologicamente, Marta Temido despre- zava os privados e a oferta que podiam trazer para cima da mesa (afinal de con- tas, respondem por mais de um terço das camas de hospital em Portugal) e o acordo da Geringonça até permitia ceder aos par- ceiros PCP e Bloco de Esquerda o retro- cesso das 40 para as 35 horas na Função Pública, o que fez disparar ainda mais as horas extra a médicos e enfermeiros. Para o PS, “o SNS é intrinsecamente bom e falar em muda-lo é querer acabar com ele”.
A AD tem um plano de fundo para a TAP e para os transportes, para o novo aeroporto e Terceira Travessia do Tejo, para as migrações, para a segurança e para a Defesa.
Mas para a Saúde não se pensa fora da caixa, ninguém arrisca criar um novo sistema público de saúde que seja ver- dadeiramente nacional (SPSVN?). Um sistema que repense as (extintas) estru- turas regionais de saúde, que repense a localização de novos hospitais à luz dos transportes de 2025; que fale sem pre- conceitos em parcerias público-priva- das; de centros de cuidados primários que comuniquem com os secundários e por aí em diante. Em 2025, decretamos que a Saúde está melhor do que há um ano e assim seguimos.
A coragem política ou não existe ou está ausente, à espera de ser atendida num hospital.