Saudades do Futuro
Olhando para os resultados eleitorais do passado domingo verifica-se uma clara vitória da AD, embora longe do objetivo de Luís Montenegro: ter sossego. A verdade é que a composição do novo Parlamento não assegura estabilidade de um governo AD, pelo menos a médio prazo. Há três blocos políticos praticamente equivalentes, a disputa pelo poder não vai deixar de existir.
Não basta dizer que houve viragem à direita. É preciso perceber porquê e se o que é complexo se pode resumir, simplisticamente, a essa frase feita. A campanha da direita populista foi feita de ruído, golpes de publicidade e dramatização - desprovida de conteúdo. Porém, o programa está lá, subliminar e, não se enganem, bem ultraliberal, ao jeito de um dos seus influenciadores: Javier Milei. Em nada contribuirá para melhorar a vida da população, nomeadamente do seu eleitorado. Reparem que não ouvimos uma única proposta sobre Habitação, Educação, Saúde ou Trabalho.
Não nos iludamos: é um projeto político ideológico, claro nas posições racistas, xenófobas, machistas, conservadoras, saudosistas do antigo regime e, sim, haverá quem o suporte consciente de tudo isto. Mas será um erro dramático considerar que são todos fascistas encartados.
A realidade é que a esmagadora maioria do povo português vê as condições de vida agravarem-se, a crise da habitação agudiza-se e o acesso à saúde mingua. O custo de vida aumenta, salários não acompanham. O país cada vez mais desigual. Há uma revolta nas vozes e desesperança no olhar.
A esquerda, de maneira geral, tem perdido a capacidade de assumir o protesto, o descontentamento, e de projetar futuro. Esse espaço está a ser ocupado, ainda que de forma perversa, pela direita radical e extrema-direita. É fundamental que a esquerda perceba que este pode ser o caminho para a irrelevância, para a dissolução, o que é desastroso para a Democracia. Não é um fenómeno nosso, veja-se a Hungria, Itália, Polónia, Alemanha ou França. Há que fazer uma profunda reflexão sobre para quem se fala, o que se diz e as falhas da ação. Os últimos resultados eleitorais obrigam a essa reflexão e, sobretudo, a agir. O centro está em declínio e quem não polariza morre. É urgente o resgate da esperança, é determinante que a esquerda crie uma nova resposta política. Sim, radical, porque tem de ir à raiz dos problemas e colocar em causa este estado de coisas.
Os 156 mandatos da Direita no Parlamento são suficientes para revisão da lei eleitoral e da Constituição. Há sérios riscos de serem postos em causa Direitos Fundamentais e o Estado Social. Soma-se a isto um candidato à Presidência da República que assume a vontade de reformas profundas para as quais não tem competências próprias e, portanto, só podendo alinhar com as que vierem da Direita.
O embate foi grande, é certo, o calendário eleitoral acelerado e várias batalhas se avizinham, a começar pelas autárquicas. A esquerda e o centro-esquerda não podem desistir do debate político sobre o país nas presidenciais. O momento que vivemos é grave e perigoso. É tempo de ação cidadã, de agregar forças, de incentivar uma candidatura mobilizadora e abrangente, defensora da Democracia e da República, capaz de unir e que nos aponte futuro, como por exemplo a que pode ser protagonizada por António Sampaio da Nóvoa.
Vereadora Independente, Cidadãos Por Lisboa, na CML