Rústico, que te quero urbano
Portugal conheceu uma urbanização tardia, frequentemente de pouca qualidade e, também, sem adequado planeamento.
Basta ter presente que até há meio século cerca de um terço dos portugueses vivia no, e do, campo, para se compreender o que foram os últimos anos em Portugal.
O êxodo rural alimentou cinturas de barracas, compropriedades urbanas de hectares, “loteamentos de génese ilegal”, em suma, guetos para os menos afortunados, para migrantes internos e, também, imigrantes.
A democracia, com o empenhamento das autarquias locais e os recursos que os fundos comunitários trouxeram ao país, pôs termo às barracas, alcatroou ruas, levou água, saneamento e energia eléctrica a locais que, se objecto de planeamento, nunca teriam tido uma casa implantada.
Basta conhecer as nossas áreas metropolitanas. Conhecer e perceber onde e quando começou o respeito mínimo pela dignidade da pessoa humana. Para quem não se lembrar recomendo que recupere as imagens e notícias da Presidência Temática levada a cabo por Jorge Sampaio na Área Metropolitana de Lisboa, no ano 2000.
Ao mesmo tempo que a mancha de território urbano, ou urbanizado, se foi alargando, os centros urbanos consolidados foram ficando desertos. Todos adequadamente infraestruturados para pessoas que, entretanto, a cidade foi expulsando.
E será certamente por isso que hoje passeamos por cidades desertas, com imóveis vazios e degradados, ainda que servidos por todas as infraestruturas públicas.
Mas, como somos um país rico, parece que vamos manter o deserto urbano e construir condutas de águas e esgotos, arruamentos, redes eléctricas, sistemas de transportes colectivos, tudo perseguindo novas áreas urbanizadas que, agora sim, vão resolver o problema nacional da habitação.
Seremos um país rico ou seremos só desorganizados e esbanjadores?
O país teve muitos sucessos nos últimos 50 anos. A política de habitação não terá sido um deles, sobretudo porque as dinâmicas sociais e populacionais, sobretudo demográficas, se desenvolveram a uma velocidade que ninguém previu.
Vimos de um período - 2022, 2023 - que foi dominado por uma política pública coerente e consistente que visava disciplinar, organizar e dignificar a propriedade rústica.
Parece que agora a propriedade rústica é efetiva e afectivamente desvalorizada na sua essência, para lhe dar uma finalidade meramente instrumental. Uma espécie de reserva à espera de melhores dias…
Por este andar não teremos nem casa para todos, nem produziremos comida para todos, nem amortizamos, pela utilização colectiva, o que investimos.
Fico com a sensação de que, mais uma vez, estamos a dar um salto em frente, a criar uma miríade de novos problemas e a não solucionar os que temos.
Oxalá me engane.
Advogado e gestor.
Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico