Rui Oliveira e Costa (1948-2021). O cordial contracorrente
No tempo em que o sindicalismo se virou quase inteiramente para o Partido Comunista, fundou a UGT. Na era em que o seu partido se pendurou quase totalmente em Cavaco Silva, apoiou Mário Soares, acabando expulso do PSD. No momento em que o país e o PS deixaram cair José Sócrates, defendeu-o em público e organizou almoços e jantares com amigos em comum. Nos anos em que todos andavam de iPhone na mão, continuava a não saber mandar SMS. Telefonava ou enviava mensagens de voz. Nos eventos em que já ninguém fumava, continuava a puxar do seu cigarro.
Maçom, sportinguista, sindicalista e homem das sondagens, Rui Oliveira e Costa enfrentou a corrente em vigor mais do que uma vez ao longo da sua vida pública. Era essa a sua forma de estar. Indiferente ao que o rodeava, sempre presente para os que o haviam rodeado, foi uma das personalidades mais originais da praça portuguesa no último meio século. Faleceu nesta semana, após uma longa batalha contra o cancro, com 73 anos.
Na política, que era o que mais gostava e nunca largou, começou jovem e no PSD. Deputado nas III e IV legislaturas, foi um indefetível de Francisco Pinto Balsemão, que não se cansou de apoiar na Aliança Democrática pós-Camarate.
Luís Marques Mendes, cujo pai foi colega de Oliveira e Costa na Assembleia da República, conheceu-o nesses primórdios do PPD. "Tinha grande protagonismo, proporcional ao seu enorme empenho", nota. "E manteve sempre um prazer genuíno em fazer política, mesmo sem cargos. Gostava do combate e do debate, era um conversador, um diplomata", descreve o antigo líder da oposição ao DN.
No cavaquismo, Oliveira e Costa foi menos feliz. Não se identificava, nem tão-pouco seguia a linha. Quando chegam as presidenciais de 1986, recusa apoiar Freitas do Amaral, que fora lançado por Cavaco Silva no congresso da Figueira, e integra a candidatura de Mário Soares. O PSD torce o nariz ao gesto e coloca-lhe um processo disciplinar. Como conta Pinto Balsemão nas suas recém-publicadas memórias, é o próprio quem escreve uma carta ao conselho de jurisdição, em defesa do amigo. À data, o militante número 1 dos sociais-democratas era o único não cavaquista a presidir um órgão do partido... era presidente da mesa do congresso e acaba por demitir-se em solidariedade com a desfiliação de Oliveira e Costa. Ao DN, recorda esse episódio e uma relação que nunca se perdeu no tempo. "Guardo dele uma boa e querida memória. Sempre nos entendemos bem. Na política e, mais tarde, na relação da Eurosondagem com o Expresso e com a SIC", recorda Balsemão, que não esquece igualmente o contributo de Oliveira e Costa "na fundação e implantação da UGT em Portugal".
Carlos Silva, atual secretário-geral da central sindical, apelida-o ao telefone de "príncipe do sindicalismo português", assumindo "um tremendo respeito pela sua memória". "Foi, na altura, o grande impulsionador da carta aberta contra a unicidade sindical", lembra. Também militante do Partido Socialista, nota que o camarada partiu, com simbolismo, num aniversário da queda do Muro de Berlim e enaltece as suas qualidades pessoais. "Demonstrou grande solidariedade num momento muito difícil de um amigo, solidariedade essa a que também me associei".
O amigo era José Sócrates, antigo primeiro-ministro e líder do PS, que contou com Oliveira e Costa em todas as suas comissões políticas nacionais, nas quais beneficiou "do seu conhecimento sobre a sociologia eleitoral e análise do sentimento popular". Também em conversa, o engenheiro evoca o amigo como alguém dono de "um espírito jovial". "Era um tipo divertido, de que era fácil gostarmos. Tinha alegria de viver", diz, lembrando conversas sobre a geografia eleitoral norte-americana e sobre a política externa dos EUA.
A militância no Partido Socialista significou um afastamento da política mais ativa - no sentido executivo - e uma entrada no mundo das sondagens, que o apaixonavam, fundando a Eurosondagem.
Pedro Santana Lopes, ex-primeiro-ministro e hoje presidente da Câmara da Figueira da Foz, trabalhou com ele de perto nesse capítulo da sua vida, inclusivamente na vitória autárquica deste ano. "A par do engenheiro Vidal de Oliveira, era o melhor profissional de sondagens do país", saúda. "Tudo o que fazia, fazia com entusiasmo. Adorava as sondagens, adorava o Sporting, adorava a política. Era um amante da vida. Cultivava relacionamentos que se estendiam além de quaisquer diferenças", conclui.
Hugo Gilberto, diretor adjunto da RTP, partilhou o pequeno ecrã com Oliveira e Costa desde jovem e caracteriza-o de forma idêntica: "Era um homem cheio de vida." "Sabia o swing state essencial de cada eleição americana e, ao mesmo tempo, o resultado de uma freguesia de Lisboa em 1976. Não tinha memória, tinha um disco rígido", sorri. "Guardava um pendor académico [professor de Ciência Política] sem deixar de ser um autodidata", relata o jornalista, que moderou um dos painéis em que Oliveira e Costa comentou futebol. Durante 15 anos, fê-lo simultaneamente na SIC e na RTP.
"Não conheço outro caso na televisão portuguesa", aponta Gilberto. "Era larger than life."
E era.
Colunista