Rotas do Ártico, Gronelândia e retórica Trumpiana

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Entre o Extremo Oriente e a Europa há duas rotas marítimas alternativas à que passa pelo Estreito de Malaca e pelo Canal do Suez: (i) a Rota Transpacífico, através do Canal do Panamá; e (ii) as Rotas do Ártico. A Rota Transpacífico ainda é muito custosa e pouco competitiva.

As Rotas do Ártico - seja a Rota Marítima do Norte (NSR) contornando a Rússia, seja a “Passagem do Noroeste” via canais do Canadá - reduzem o tempo de viagem entre o Extremo Oriente e a Europa; no caso da NSR, reduz-se em 40% - um porta-contentores proveniente da Coreia do Sul demora cerca de 34 a 40 dias a chegar a Roterdão, enquanto via NSR demora cerca de 23 dias. A utilização das Rotas do Ártico depende do ritmo do degelo do Oceano Ártico, sendo que o Ártico está a aquecer quatro vezes mais depressa do que o resto do mundo. Este aquecimento acelerado do Ártico está a derreter o permafrost na parte norte da Sibéria, no Canadá e na Gronelândia. A partir de 2040-2050, uma percentagem significativa do comércio marítimo que atualmente atravessa o Estreito de Malaca e o Canal de Suez deverá ser desviada para a NSR.

A larga maioria da NSR corre ao largo das águas russas nos Oceanos Pacífico e Ártico. A navegabilidade do Ártico tornará a Rússia incontornável no comércio marítimo internacional durante décadas; a Federação Russa tem criado novos portos e cidades costeiras no Ártico para aumentar a logística de apoio à navegação. A China já delineou uma política para uma “Rota da Seda Polar” que entronca no apoio ao desenvolvimento russo da NSR.

A Maersk e a Cosco efetuaram já viagens testando estas rotas marítimas do Ártico; de acordo com a Kpler, no primeiro semestre de 2024 o terminal de GNL Yamal Arctic (operado pela Novatek) exportou 1,83 milhões de toneladas para a Ásia (17% do total; 8,94 milhões de toneladas - os restantes 83% - foram para a Europa). Petroleiros ice-class e navios metaneiros com casco reforçado como quebra-gelos estão a ser construídos nos estaleiros da Zvezda (na Rússia), da GSI / CSD (na China) e da Hanwha Ocean (na Coreia do Sul).

Estaleiros da GSI / CSD, na China.
Estaleiros da GSI / CSD, na China. FOTO. D:R:

No que tange à navegação na “Passagem do Noroeste”, o Canadá não tem tido a mesma diligência. As declarações, em maio de 2019, do então secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo - revelando um contencioso sobre a suposta “ilegitimidade” do Canadá em considerar águas internas os canais de passagem entre ilhas canadianas na “Passagem do Noroeste” - dificulta(ra)m o financiamento de projetos de apoio logístico à sua navegação; as pretensões de Trump de “incorporação do Canadá nos EUA” e de “compra da Gronelândia” visam [entre outras razões] vergar as autoridades canadianas a uma antiga exigência estado-unidense: acesso incondicional dos EUA às águas dos canais entre as ilhas canadianas perto da Gronelândia que fazem parte da “Passagem do Noroeste”.

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