Rodapé da História
Parece que nos últimos anos de Governo socialista a grande preocupação cultural, além de assegurar posições para conhecidos - a avaliar pelas últimas notícias - foi a celebração dos 50 anos do 25 de Abril. Parecia que não havia nada mais a fazer no horizonte. Chegaram a nomear uma comissão para a celebração dos 500 anos do nascimento de Camões. Nada fez. Chegou-se à data de celebração - 23 de Janeiro de 2024 - sem sequer um discurso. Optou-se por se começar as celebrações com a data de morte, 10 de Junho. A lógica de quem não tinha programa, mas com a pressão pública tinha mesmo de fazer alguma coisa.
Com as eleições, a questão ficou para o novo Executivo: apresentar algo a contrarrelógio. Porém, não foi esta a única efeméride de 2024. Outra, igualmente importante - e também quinhentista - é a data do falecimento de Vasco da Gama: 24 de Dezembro de 1524. E qual a razão deste esquecimento? Ser uma figura “maldita” para uma certa esquerda. Vasco da Gama, durante mais de 400 anos celebrado como descobridor, é agora apelidado de explorador e tem de ser apagado. Quem o celebra está a alimentar e a glorificar os Descobrimentos, esse momento horroroso da História em que os portugueses, esses facínoras, deram “novos mundos ao mundo”. Camões quase entrava nesse “pacote” de cancelamento, já que Os Lusíadas o glorificam. Essa época tem de ser cancelada, como todos e tudo o que aconteceu nesse período.
Lamento, mas não. Figuras que são maiores que elas próprias têm de ser lembradas, sim. A sua época compreendida e estudada. E nada melhor do que efemérides para essa parlamentação ter lugar. O PS teve vergonha de assumir essa postura, para não ferir susceptibilidades dos seus simpatizantes woke e dos seus camaradas de coligação geringonçal.
Não se fala, é como se não se soubesse, não se vê, não se assume, com sorte, ninguém dá por isso. E se der, usamos a efeméride para queimar “o Vasco” em praça pública. Nem sei como ainda não fizeram uma petição para o retirar dos Jerónimos. Não lhes quero dar ideias, só não ficaria surpreendida se o fizessem.
A AD tomou as rédeas e celebrou, com um magnífico programa, a primeira comemoração dessa data no passado dia 16, no CCB. Sem idolatria, sem condenação. Talvez por perceber também que há feitos, personagens e acontecimentos que estão para além de nós e da época em que vivemos.
Ter a consciência de que fizeram a diferença. Que, fazendo o mesmo de negativo que o mundo inteiro fazia, o que de positivo deixaram foi maior. Que, com defeitos e virtudes, como todos temos, os feitos valorosos foram um maior contributo. Talvez por perceberem, com humildade, que nós somos um rodapé da História. E Vasco da Gama continuará a ser lembrado enquanto existir Portugal. E entender isto é entender tudo.
Escreve sem aplicação do novo Acordo Ortográfico