Robert Capa e os geniais húngaros
Muito se debate ainda sobre a fotografia feita por Robert Capa de um miliciano ao serviço da República Espanhola no preciso momento em que este é atingido, o corpo de repente em desequilíbrio, a espingarda prestes a soltar-se da mão. Mas ninguém duvida de que se trata tanto da imagem mais emblemática da Guerra Civil de Espanha como da carreira do fotógrafo húngaro. Húngaro!? Sim, húngaro, Capa era Endre Erno Friedmann, nascido em 1913 em Budapeste, cidade onde esta semana visitei uma extraordinária exposição dedicada aos grandes fotógrafos húngaros, a maioria dos quais (como Capa) a dado momento fez carreira nos Estados Unidos, a terra das oportunidades, mas também da salvação, pois muitos deles (novamente como Capa) eram judeus e o nazismo ameaçava conquistar a Europa.
Creio que a primeira pessoa que me falou das origens húngaras de Capa foi o Albano Matos, meu editor no DN nos Anos 1990, um jornalista de enorme cultura e que sabia tudo sobre a Guerra Civil de Espanha - foi ele quem me disse ser obrigatório ler, de George Orwell, Homenagem à Catalunha, quando toda a gente só falava de 1984 e de O Triunfo dos Porcos. E se a memória não me atraiçoa, foi o Albano também que me alertou que o antifascista Capa não era o único grande fotógrafo húngaro, ainda que fosse o maior.
Pois, nem de propósito, logo na entrada da exposição temporária no Museu de Belas Artes de Budapeste, surge este texto introdutório: “‘Não basta ter talento, tens também de ser húngaro’ se quiseres tornar-te um grande fotógrafo - disse Robert Capa. Muitos fotógrafos húngaros tinham ganhado fama mundial na América. Em 1931, uma revista britânica publicou a lista dos 100 maiores fotógrafos do mundo, que incluía nove artistas nascidos na Hungria, por exemplo, André Kertész, László Moholy-Nagy e Martin Munkácsi. Apesar dos seus êxitos e da sua influência na fotografia do século XX, as origens dos fotógrafos que emigraram para a América eram pouco conhecidas. De Kertész, por exemplo, pensava-se que era francês, e que László Moholy-Nagy era alemão.”
Kertész, Moholy-Nagy, Capa…Fotógrafos Húngaros na América (1914-1989) é o título da exposição organizada em parceria com um museu da Virginia que pretende fazer justiça ao país de origem destas celebridades húngaro-americanas. E, de repente, temos André de Dienes, que fotografou Marilyn Monroe, a ser Andor Diénes; Nickolas Muray, autor de Frida Kahlo num vestido azul, a ser Muray Miklós; ou Paula Wright, que retratou Albert Einstein em Princeton, a ser Paula Weiss; ou ainda Cornell Capa, que imortalizou John Kennedy e Lyndon Johnson na Sala Oval, a ser Kórnel Friedmann, irmão mais novo de Robert Capa, que adotou o apelido profissional criado por Endre.
Como fotojornalista, Robert Capa cobriu cinco guerras. A de Espanha, a Guerra Sino-Japonesa, a Segunda Guerra Mundial, a Guerra Israelo-Árabe de 1948 e a Guerra da Indochina. Morreu em 1954 em Thai Binh, no Vietname, ao pisar uma mina. Dizem que quando foi encontrado tinha ainda a máquina fotográfica nas mãos. Foi um dos fundadores da cooperativa Magnum e estava ao serviço da Life.
Capa (que deve o nome profissional a Gerda Taro, a namorada fotógrafa alemã que morreu na guerra, em Espanha) tornou-se cidadão americano em 1946. Antes, esteve no Dia D, no Desembarque na Normandia. Fotografou de dentro de água os soldados americanos que tentavam chegar à praia francesa que naquele 6 de junho de 1944 foi rebatizada de Omaha Beach. Esta extraordinária fotografia serve para nos lembrar que talvez seja impossível dizer que alguém genial como este húngaro-americano tem uma só “imagem mais emblemática da carreira”, mesmo que seja a da morte do anarquista espanhol pelas tropas do generalíssimo Franco.
Diretor adjunto do Diário de Notícias