Renúncia no Knesset israelita
Com menos de dez meses de funcionamento, o governo israelita perdeu a maioria no Knesset (Parlamento) por causa de uma renúncia apenas. A deputada do Knesset do partido de direita Yamina (partido do primeiro-ministro Bennett), Idit Silman, que é também a líder parlamentar da coligação no poder, enviou inesperadamente uma carta ao primeiro-ministro, a comunicar que abandona a coligação. Desta forma, o governo perdeu a maioria e passou a contar com 60 membros no Knesset, o mesmo número da oposição.
Era sabido que ao governo de oito partidos em Jerusalém sempre faltou a estabilidade necessária, para seguir uma política clara, tendo em mente que tinha contribuições da esquerda, centro e direita da política israelita, incluindo um partido de árabes israelitas, pela primeira vez na história. A deputada demissionária, Idit Silman, disse que já não pode apoiar o governo que está a colocar em risco o caráter judaico do Estado. A razão direta para a demissão é a instrução dada pelo ministro da Saúde Nitzan Horovitz aos hospitais, de que a comida, trazida para os hospitais durante a festa judaica da Páscoa, não precisa de estar conforme os regulamentos dietéticos kosher, o que já tinha sido decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça de Israel. Por mais que essa razão não pareça suficientemente boa para derrubar o governo, é óbvio que Silman não ficou satisfeita com os compromissos que tiveram de ser feitos pelo primeiro-ministro Bennett para manter a coligação unida por muito tempo. Ela, que foi pela primeira vez deputada e foi eleita como líder da Coligação, já afirmou que apoiaria a formação de um governo diferente composto apenas pelos partidos de direita que evitasse as quintas eleições desde 2019.
O ex-primeiro-ministro Benjamin Netanyahu saudou a sua renúncia com entusiasmo, pedindo que outros membros do Knesset da mesma área política fizessem o mesmo e "voltassem para casa", oferecendo-lhes abertamente cargos em qualquer novo governo que fosse formado por ele.
A complicada situação política em Israel está agora a chegar ao ponto em que muitas coisas terão de ser decididas, não apenas pelo grupo de partidos no poder, mas também pela oposição, que não está minimamente unida. Existem três opções na situação atual se Silman não retirar a sua demissão. A primeira é que o Knesset poderia aprovar a lei sobre uma nova ida às urnas. Isso não está claro, porque os partidos árabes que não estão no governo teriam de decidir se seguiriam as ideias de Benjamin Netanyahu e avaliar o seu interesse em ir às novas eleições. Além disso, a oposição precisaria de outra renúncia para obter a maioria de 61 do número total de membros do Knesset. A segunda opção é que os partidos de direita, que não estão no governo, consigam atrair mais demissões do partido Yamina de Naftali Bennett ou Israel Nossa Casa de Avigdor Lieberman, para conseguir a maioria sem partidos árabes. E isso significa que o Knesset não aprovaria o próximo orçamento, o que significaria ainda que o país teria de ir para novas eleições. Esta opção só é possível no próximo ano e por isso não é realista.
Assim, haverá muita pressão sobre os membros dos dois partidos de direita no governo, para mudarem de lado e trazerem Netanyahu e o seu partido Likud de volta. Nesta situação, não é de esperar, decididamente, que o governo, como está agora, possa concentrar-se em questões que só poderiam dividi-los, mas apenas naquela que tradicionalmente aproximava todo o país. E essa questão é a segurança.
Para quem acompanha os acontecimentos políticos em Israel, não é surpresa a demissão de Idit Silman, tendo em conta que os oito grupos políticos que formaram o Governo estavam sobretudo ligados ao desejo de derrubar o ex-primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, independentemente de serem partidos de esquerda, centro, direita ou árabes.
Claro, muitos não acreditam que o problema das regras kosher seja o que pode derrubar o governo. As divisões são demasiado profundas desde o início para serem resolvidas tão facilmente e era apenas uma questão de tempo até que os políticos da oposição conseguissem quebrar a coligação governante. Talvez esse processo tenha acabado de começar ou talvez algo inesperado possa acontecer para prolongar a vida política do 36.º governo israelita.
Investigador do ISCTE-IUL e antigo embaixador da Sérvia em Portugal