Vivemos tempos em que a geografia das ameaças já não se desenha em fronteiras, mas em falhas de sistema. Ciberataques, sabotagens energéticas, desinformação coordenada, crime organizado, tráfego ilícito de tecnologia, fluxos migratórios descontrolados, ataques a infraestruturas críticas. Nenhuma destas ameaças se enfrenta com esquemas rígidos, respostas isoladas ou silos institucionais. Mas é exatamente isso que o nosso sistema ainda espelha.A arquitetura da segurança nacional permanece demasiado ancorada em estruturas do século XX, pensadas para realidades que já não existem. As Forças Armadas, as polícias, os serviços de informação, a proteção civil – todos fundamentais, mas frequentemente desencontrados. Operam sob lógicas paralelas, com linguagens próprias e sem um centro de gravidade comum. E é essa fragmentação que compromete a capacidade do Estado para agir com rapidez, coerência e impacto.A segurança tornou-se, hoje, uma função transversal do Estado. Exige capacidade de antecipação, visão interministerial e articulação total entre o que é civil, militar, económico, digital e social. Exige, sobretudo, um conceito político claro: o da soberania inteligente – a que sabe proteger, mas também prevenir; a que não apenas reage, mas reorganiza.Num mundo onde o risco é horizontal e cumulativo, a verdadeira força está na convergência. E Portugal precisa, com urgência, de fazer essa transição: de um modelo de compartimentos estanques, para um ecossistema de segurança nacional integrado, racional e orientado por objetivos estratégicos claros.Essa mudança não passa por uma lei ou uma operação. Passa por visão de Estado. Passa por liderar com a coragem de reformular – não apenas ajustar. E por reconhecer que garantir a segurança dos portugueses já não se faz com respostas clássicas, mas com inteligência organizacional, interoperabilidade plena e uso criterioso dos recursos.Se há missão que deve marcar a próxima década política, é esta: construir uma segurança à altura do século XXI. Uma segurança que não se limite a defender o país – mas que o prepare, o proteja e o projete. Porque num tempo em que as ameaças não pedem licença, o Estado também não pode pedir permissão para se transformar.Especialista em Segurança e Defesa