“Reformas estruturais profundas”? Comece-se com a Parpública
“Uma longa viagem começa com um único passo.”
(Lao Tse)
Um grupo de 30 personalidades apresentou esta semana um manifesto a defender “reformas estruturais profundas” em Portugal, nomeadamente no papel do Estado na economia. Um bom pretexto para refletir como podem estes 30 ter sucesso onde tantos falharam. Podemos falar na Saúde e em tantos outros setores, mas, como nos diz Lao Tse, vamos ser práticos e começar nas participações formais do Estado em empresas, relembrando quão difícil isso tem sido olhando para o que se passou nestes últimos 20 anos. O que se segue vem em boa parte dum artigo aqui publicado em janeiro, mas nunca é demais denunciar trapalhadas.
Em 2002 o Governo extingue o IPE, um polvo que controlava 27 participações, prometendo passar o portefólio à esfera privada. Não foi assim e hoje temos uma situação muito parecida na Parpública, um gigante com, pelo menos, 20 participações, das quais 13 de controlo.
Sempre houve uma tentação em tomar de posse (i.e. Efacec) e uma enorme resistência em deixar partir. Só para referência, Espanha, uma economia dez vezes maior, passou de ter 130 empresas públicas maioritárias e de propriedade direta, em 1985, para apenas 16 hoje.
Ciente da necessidade de desmantelar a Parpública, o Governo AD constituiu há cinco meses um Grupo de Trabalho para “identificar as empresas (da Parpública) consideradas estratégicas e (...) propor o modo de privatizar as restantes, adiantando uma estimativa da receita decorrente da alienação”. Uma missão lírica que por três razões não vai a lado nenhum.
Primeiro, o grupo é liderado pelo próprio VP da Parpública e formado por profissionais de carreira da Função Pública ... não estou a gozar.
Segundo, os critérios de seleção são insanos: consideram-se estratégicos os setores que “respeitam ao desempenho de funções de soberania, (...) ou onde as falhas de mercado exijam a intervenção pública”. Funções de soberania? Falhas de mercado? Isso dá para justificar qualquer coisa.
E terceiro, o primeiro sinal que surge deste Grupo de Trabalho - RTP, CGD, Águas de Portugal (AdP) e Companhia das Lezírias (CL) - são considerados ativos estratégicos ou seja inalienáveis. Faz algum sentido o Estado ter um grupo de media? Ou por que não cotar a AdP em bolsa, como em tantos países europeus e o Estado manter uma participação, impedindo, aliás, o acesso arbitrário aos resultados como fez Medina em 2024? E, para justificar o absurdo da Companhia da Lezírias (CL) - que fatura menos de 10M€ e tem 3M€ de resultados - estar no Estado, “garante que se consiga o máximo de eficiência produtiva com sustentabilidade ambiental. Quando há privados há mais tendência para o desequilíbrio, mais para a eficiência produtiva e menos para a protecção do ambiente”. Esta afirmação da Parpública é uma afronta à economia nacional privada e reflete uma doutrina marxista (senão soviética) que não se compreende sob um Governo reformista de centro.
Claro que precisamos das “reformas estruturais profundas” reinvindicadas pelo Manifesto. Mas se este Grupo de 30 personalidades quer, de facto, acrescentar valor ao país e não se ficar pelas generalidades que soam muito bem nos noticiários, mas não levam a lado nenhum, que comecem por pôr ordem neste processo da Parpública. Que criem um novo modelo que saiba separar os ativos com racionalidade e coragem, que saiba vender bem o que tem de vender e montar modelos de regulação eficazes (caso da AdP), algo raro em Portugal. E que estejam à altura da reputação dos seus nomes e que acabem duma vez, com ação e coragem, com 20 anos do Estado a brincar às empresas à custa dos contribuintes, que tantos biliões têm perdido através desta política soviética que dura há tempo demais. Os dados estão lançados.
Empresário, Gestor e Consultor