Reformar Portugal?
As reformas estruturais. Este é o clamor mais ouvido dos poucos políticos portugueses que, independentemente do seu quadrante partidário, ainda olham para o projeto nacional com a combinação certa de visão, inteligência e ponderação. Depois há os outros, que são a maioria, e que dirigem a sua energia para culpar os adversários da ausência de reformas.
A verdade é que o tempo vai passando e a pergunta está aí, inteira, com a atualidade de sempre: será Portugal reformável? A nossa História oferece mais contradições do que pistas para uma resposta clara. Eu tendo sempre a focar nas pessoas, nas suas convicções, na sua inteligência e, sobretudo, na sua energia. Mobilizar as pessoas comuns para a ambição de subir um degrau e atrair os melhores para a política e as políticas reclama uma cultura de melhoria contínua e de autorresponsabilização que anda muito afastada dos portugueses.
Quando se percorrem as manchetes nacionais dos jornais, os alinhamentos da rádio e da televisão e as homepages dos sites noticiosos, lê-se e ouve-se, sobretudo, notícias em torno de dois ecossistemas: o dos interesses corporativos e o dos interesses partidários. Diz-se que a Saúde está má, logo a culpa é do Governo. Os médicos e enfermeiros travestem-se de vítimas à beira do burnout, enquanto alegre, sistemática e lucrativamente cumprem ciclos de horas no público e horas no privado. Um mistério! Os resultados dos nossos alunos no PISA foram fracos? A culpa é do Governo. Os professores, na sua cruzada de defesa dos interesses corporativos, têm objetivamente hipotecado a missão com o mar de greves, manifestações e até ofensas que só podem ser lesivas das aprendizagens. Contudo, não assumem um milímetro de responsabilidade por nada. Já na política partidária, vive-se o pingue-pongue das acusações e das agendas.
À direita, diz-se que não há reformas devido a décadas de socialismo, como se, nos períodos em que governaram, tivessem sido um exemplo reformista.
À esquerda, o foco continua nos direitos, na despesa e na distribuição, para manter a sua base satisfeita, parecendo menos interessada nos deveres.
A direita liberal só quer privatizar tudo o que mexe, antecipando um futuro em que seríamos geridos por um qualquer fundo internacional.
Lá mais para a extrema-direita, a fórmula de ganho eleitoral assenta no caos, o alegado país corrupto, mestiçado, tomado pelos imigrantes e terroristas, que é preciso fechar e reservar para os católicos, caucasianos e bons pais de família.
No meio de tudo isto, onde está o ecossistema do interesse nacional? Onde andam, o que dizem e o que fazem aqueles que assumem as suas responsabilidades, têm uma visão de mudança e se esforçam todos os dias por atingir o patamar superior, em vez de impedir o vizinho de subir até ao seu degrau? Existem, com certeza, mas são pouco visíveis, quer porque não dão notícias de sangue, corrupção ou maledicência, quer porque temem chegar-se à frente e ser alvo de um país inquisitório.
O maior atentado contra o futuro de Portugal é a guerra civil que está em curso, nos media, na Justiça, nas instituições e nas mesas de café, contra a nobreza da função política. Um processo de desqualificação cujas raízes germinam na inveja, no oportunismo e no populismo, do tipo que ativa nas pessoas o que de pior têm, e que resulta no afastamento dos melhores. Esta cultura antipolítica, que fatalmente degenera num Estado antirreformista, emerge ainda mais nos piores momentos, as crises, num processo que, ao perpetuar-se, hipoteca o futuro de Portugal.
Professor catedrático