Recuperar pendência nos tribunais administrativos e fiscais

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O Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais (CSTAF) estabeleceu para 2028 a meta de não subsistirem, na primeira instância, processos anteriores a 2024, substituindo o stock que hoje recua a 2004. A ideia passa por os magistrados despacharem os processos mais antigos, com prioridade sobre os recentes, salvo se urgentes. A taxa de resolução de 2024 superou 100% em 12 tribunais e não baixou de 74 % no pior. Contudo, a segunda instância continua estrangulada: cada desembargador decidiu, em média, 174 processos no TCA Norte e 326 no TCA Sul, agravando o risco de violação do prazo razoável de decisão, previsto nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa e no artigo 6.º Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

Para alcançar o pretendido desiderato, impõem-se atuar em três áreas. Desde logo, no aumento da capacidade jurisdicional de resposta. A instalação imediata do TCA Centro (Lei 13/2002) e a abertura de novos juízos, acompanhadas de mais magistrados e oficiais de justiça, são exigências inadiáveis. Como segunda área de intervenção, elejo a transparência normativa e nos procedimentos da Administrativa Pública. A má prática legislativa e a opacidade decisória da Administração Pública, sobretudo da Autoridade Tributária, geram litigância inusitada e injusta. A título de exemplo, pense-se na cobrança do IUC (Imposto Único de Circulação), com liquidações em prazos que ninguém memoriza, dando lugar a execuções e contraordenações assentes em interpretações pouco transparentes e enganosas, que prejudicam intencionalmente os contribuintes, para arrecadar receitas indevidas, violando o dever de boa-fé (art. 266.º CRP) que deve nortear a atuação da Administração, consumindo recursos judiciais e custos inúteis de litigância. Pense-se também no flagelo do que se passa com o excesso de litigância na AIMA, com os processos de nacionalidade, originada por uma atuação política e legislativa, muito infeliz e que agora se tenta corrigir. E, por fim, uma terceira área de intervenção, na filtragem pré-contenciosa e na necessidade de revisão interna de procedimentos administrativos geradores de litigância e na mediação fiscal. Não sendo propriamente a favor dos Grupos de Trabalho, creio que nesta matéria se justifica o estudo por especialistas dos procedimentos administrativos geradores de litigância injusta e desnecessária.

Paralelamente, o CSTAF deve publicar, trimestralmente, mapas-síntese da evolução processual: idade média, taxa de resolução, prazo de sentença e percentagem de congestionamento por secção. Mesmo que se tratasse de um registo interno. A transparência gera pressão saudável e permite afetação precisa de meios. A modernização tecnológica é também decisiva. O processo eletrónico reduziu a tramitação física, mas falta interoperabilidade com a AT e o IRN: APIs e MCPs que facultem dados cadastrais e fiscais em tempo real encurtariam a instrução probatória.

Por seu lado, o legislador deve pôr termo à proliferação de microalterações: cada diploma que acrescenta exceções processuais, regimes transitórios obscuros ou critérios retroativos, alonga a curva de aprendizagem e multiplica os incidentes processuais. Uma revisão compacta do CPTA e do CPPT -eliminando redundâncias e fixando prazos materialmente exequíveis - produziria impacto imediato na celeridade.

Por fim, a experiência e o bom senso demonstram que objetivos sem meios falham. Em 2017, anunciou-se a erradicação dos processos com mais de dez anos; sem reforço efetivo o desígnio frustrou-se. O TEDH tem qualificado atrasos superiores a seis anos como violação do artigo 6.º da CEDH, impondo ao Estado o dever de indemnizar. Em síntese, a solução passa por mais tribunais, mais juízes, leis claras e uma Administração Pública com um funcionamento e procedimentos transparentes. Só assim se honrará o direito fundamental a uma tutela jurisdicional efetiva e se evitará que o backlog renasça, comprometendo a confiança dos cidadãos e a competitividade do país.

Advogado e sócio fundador da ATMJ - Sociedade de Advogados

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