Recuperar a capacidade de agir sobre o mundo

Uma reflexão sobre o nosso poder de agir, por ocasião da Noite das Ideias organizada pelo Instituto Francês de Portugal no dia 25 de junho, em parceria com o Teatro São Luiz em Lisboa.
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O poder de agir muitas vezes começa com a consciência. Pela recusa de nos fecharmos na nossa própria cegueira, parafraseando José Saramago. Basta abrir os olhos: em todo o mundo, as linhas de fratura se ampliam. A guerra está de volta ao continente europeu e os conflitos abertos ou latentes não deixam nenhuma zona do mundo intocada. A ordem internacional, fundada no direito, vacila. As democracias são enfraquecidas por dentro, postas à prova pela desinformação e pelos extremismos. O Antropoceno já levou à ultrapassagem de seis dos nove limites planetários, colocando um risco existencial sobre os seres vivos. A esta acumulação de crises junta-se muitas vezes um sentimento de impotência. O que pode um indivíduo, um cidadão, uma sociedade face a desafios tão vastos? 

Perante estas forças que nos ultrapassam, pode ser tentador fechar-se sobre si mesmo. No entanto, seria esquecer o que carregamos dentro de cada um de nós: uma capacidade de agir, com lucidez, sem negar a magnitude dos desafios, mas recusando qualquer resignação. Confrontado com as convulsões do século XX, Albert Camus escreveu em seu ensaio homônimo: «O que é um homem revoltado? Um homem que diz não. Mas se ele recusa, ele não renuncia: é também um homem que diz sim, desde o seu primeiro movimento.»

O poder de agir em democracia constrói-se no diálogo, na lenta elaboração de um entendimento partilhado, na educação e na transmissão. Ele se enraíza numa voz que não cede. A transformação do debate público sob o efeito das novas tecnologias e sua desestabilização por atores mal-intencionados fragilizam a confiança que os cidadãos têm na palavra institucional e na palavra dos cientistas. É recriando espaços de confiança, onde cada um encontra o seu lugar, que poderemos dar nova vida à participação cidadã. 

Ser diplomata é, na minha opinião, encarnar esse poder de agir na escala de uma profissão feita de laços e de paciência. A diplomacia é muitas vezes vista como um mundo cheio de discurso e prudência. A diplomacia é, na realidade, através da negociação, do diálogo intercultural, da aliança das vontades, uma maneira de tecer respostas comuns a desafios que ultrapassam as fronteiras. Ser diplomata é dar voz a uma mensagem e valores, sim, mas também escutar, conectar, traduzir. É procurar, mesmo nas margens de desacordo, caminhos de entendimento. É a minha maneira de recusar o fatalismo. 

É precisamente este impulso – o poder de agir – que celebraremos no próximo dia 25 de junho no Teatro São Luiz, por ocasião da Noite das Ideias, organizada pelo Instituto Francês de Portugal. Interrogaremos também as condições para que esse impulso não seja um desejo piedoso e se torne novamente uma realidade cidadã. Artistas, pensadores, militantes, cientistas, cidadãos se reunirão para fazer ouvir vozes plurais, questionar e, talvez, inventar juntos novas maneiras de participar no mundo.

Convido-vos sinceramente a fazê-lo. Porque pensar já é começar a agir.

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