Reconstruir o centro para salvar a Europa
Num tempo em que os extremos se tornam cada vez mais audíveis, influentes e ocupam os lugares nos parlamentos e nos governos, a reconstrução do centro político na Europa impõe-se como um dos desafios civilizacionais do nosso tempo. A fragmentação dos eleitorados, o desgaste dos partidos tradicionais e a ascensão de forças populistas, nacionalistas ou anti-sistema têm enfraquecido o espaço da moderação que, em tempos, foi capaz de gerar consensos, assegurar governabilidade e renovar a confiança das pessoas na política.
Durante décadas, o centro político europeu, que unia democratas-cristãos, sociais-democratas e liberais, sustentou um modelo de desenvolvimento que assentava na abertura económica, no Estado social, na democracia representativa, no multilateralismo, na integração europeia e onde o acordo sobre o essencial convivia com a existência de alternativas. Mas as crises sucessivas, da dívida à pandemia, das migrações às alterações climáticas, passando pelas guerras um pouco por todo o lado e mais recentemente na Ucrânia e pela violência sem regras no Médio Oriente, tornaram visíveis as limitações dos processos de colaboração entre as forças moderadas.
Por outro lado, as nossas democracias parecem ter perdido o contacto com o quotidiano das pessoas que mais apoio precisam, particularmente nas zonas rurais e de baixa densidade, nas regiões industrialmente desvalorizadas e nas periferias urbanas. Os “derrotados da globalização” não são um grupo homogéneo, mas partilham uma aflição comum: viram os seus empregos desaparecer, os serviços públicos degradarem-se e as suas comunidades enfraquecerem. Sentem que o progresso lhes passou ao lado e que as instituições deixaram de os representar.
É neste esquecimento que prosperaram os discursos simplistas que oferecem culpados em vez de soluções e ruído em vez de diálogo, apoiados na manipulação de factos, na disseminação de mentiras e na sua propagação vertiginosa. Sem informação fidedigna, a escolha democrática torna-se uma ilusão; sem verdade a moderação é desarmada; sem confiança a democracia adoece.
Reconstruir o centro não é um exercício de nostalgia. É um esforço urgente de reinvenção política, com base em quatro pilares: reforçar a democracia, garantir a eficácia das políticas públicas, reforçar o papel da sociedade civil e promover uma nova aliança estratégica entre o Estado e o mercado.
Reforçar a democracia significa devolver sentido à representação política e à existência de alternativas moderadas, mas também aprofundar a participação cívica e a transparência. A confiança não se impõe, conquista-se. E conquista-se quando as pessoas sentem que a sua voz é ouvida, que as decisões são justificadas, que os resultados são visíveis e as suas preocupações resolvidas.
Garantir a eficácia das políticas públicas é um desafio central. A democracia esvazia-se quando não consegue entregar resultados. Habitação acessível, transportes de qualidade, saúde eficiente, educação inclusiva e eficaz ou políticas ambientais ambiciosas exigem um Estado com visão, capacidade técnica e meios adequados. A boa governação é simultaneamente um requisito democrático e uma resposta social. Não basta gerir: é preciso transformar com justiça e com a noção de que quem menos tem é quem mais precisa.
A democracia não se esgota nas instituições públicas. Antes estará tanto mais viva e será mais resiliente se promover o florescimento das organizações da sociedade civil, onde as pessoas se organizam para atingirem os seus objetivos partilhados e reforçarem os seus direitos. Uma democracia não estará completa se as pessoas não a sentirem como sua.
Por fim, é essencial romper com a ideia de antagonismo estrutural entre Estado e mercado. As grandes transições digital, ecológica, energética ou demográfica não se farão sem um novo modelo de cooperação público-privada. O mercado traz inovação, agilidade e investimento, e o Estado assegura enquadramento, regulação e justiça redestributiva. A combinação inteligente destes dois motores é a única forma de alcançar o desenvolvimento económica e ambientalmente sustentáveis e a inclusão social duradoura.
O novo centro político europeu tem de ser mais do que um espaço intermédio entre os extremos. Tem de ser o espaço onde a ambição se encontra com a responsabilidade, onde a eficiência se alia à justiça, onde o futuro se constrói com todos. Num continente que conhece bem mas parece ter-se esquecido dos riscos do extremismo e dos custos da divisão, reconstruir o centro é reconstruir a própria promessa europeia: uma sociedade de liberdade, dignidade e progresso partilhados.
Professor convidado IEP/UCP e NSL/UNL