Rebenta a bolha (de Bruxelas)
Da Torre de Belém às Portas da Cidade de Ponta Delgada, do Castelo de Bragança aos Paços do Concelho de Tavira, vários foram os monumentos que se iluminaram, na passada quinta-feira (9), para assinalar o Dia da Europa. Por norma, este dia comemora o aniversário da célebre “Declaração Schuman” – que propôs as bases da Europa que hoje conhecemos –, a paz e a unidade do continente europeu. Todavia, este ano marcou também o início da contagem decrescente para as eleições europeias que, em Portugal, se realizam a 9 de junho. Então, o mote lançado pelo próprio Parlamento Europeu é claro: "Usa o teu voto, ou outros decidirão por ti".
De facto, nas eleições europeias de 2019, cerca de 3,3 milhões de votantes decidiram os 21 mandatos portugueses pelos quase 11 milhões de inscritos. Compreende-se, por isso, que o combate à abstenção seja o grande desafio das eleições deste ano – afinal, com taxas de participação tão baixas, seria até bizarro e embaraçoso afirmarmos estas eleições como um dos maiores exercícios democráticos do mundo. Contudo, estaremos preparados para passar às pessoas a mensagem da famosa “bolha de Bruxelas”?
Para garantir que sim, o Parlamento Europeu e a Comissão Europeia têm feito um esforço considerável para promover a literacia sobre os assuntos europeus, sobretudo, junto de elites dos Estados-Membros – desde funcionários públicos a influenciadores. Deste modo, em teoria, elites melhor esclarecidas beneficiarão de melhores ferramentas para esclarecer as massas. Nota-se, no entanto, um fenómeno tipicamente português: quando chega a altura de comunicar, ligamos o “complicómetro” – como se isso reforçasse qualquer tipo de autoridade sobre o assunto.
Quem se gaba de atrasos porque a reunião em Bruxelas demorou mais do que o previsto e, de seguida, se regozija bombardeando uma audiência com o jargão da bolha, não comunica – antes pelo contrário. Comunicar, como sugere a própria origem etimológica da palavra, significa pôr em termo comum. Bem sabemos que, como registava a escritora brasileira Clarice Lispector, “a língua portuguesa é um verdadeiro desafio”. Em todo o caso, se não soubermos conversar comummente sobre a Europa, colocaremos em risco não só a prosperidade do projeto europeu, mas também de Portugal. Cabe-nos, portanto, simplificar a linguagem e aprimorar a comunicação sobre os trabalhos das instituições europeias, tornando-a mais clara, rigorosa e eficaz.
De notar que campanhas de informação não são novidade. Desde a promoção de melhores cuidados de saúde à promoção de práticas mais sustentáveis, diz-nos a literatura científica que, efetivamente, campanhas de informação são eficazes e resultam, frequentemente, em consequências positivas (como uma recente simplificação das notificações dos pedidos de injunção, que se traduziu num aumento de quase 70% do pagamento voluntário dos mesmos).
Nestas eleições, certamente que não teremos uma taxa de abstenção tão elevada como a registada em 2019 – com as campanhas de sensibilização para o voto e depois da excelente participação nas eleições de março passado, tal seria um péssimo sinal. Não obstante, são também precisos eleitores mais esclarecidos – aliás, segundo uma sondagem desta semana, os próprios são os primeiros a admitir estarem mal informados.
Por vezes até nos esquecemos, mas por incrível que hoje nos pareça, em tempos, também os conceitos de déficit e dívida pública eram completos desconhecidos. Por maioria de razão, não vejo por que seria impossível sermos capazes de nos familiarizarmos também com o Conselho Europeu, a Comissão Europeia e o Parlamento Europeu – quais as competências de cada um, como se relacionam e quais os temas na agenda.
Entrando agora nos debates e, de seguida, na campanha eleitoral, oxalá os candidatos sejam capazes de levar a União Europeia aos portugueses, simplificando e traduzindo a burocracia e o jargão, pois ou se rebenta a bolha (de Bruxelas), ou a maioria dos portugueses continuará a ver o seu futuro definido por terceiros.